Por Darlene Menconi*
O ambiente do poder é igual ao reino de Marlboro, a terra onde os homens se encontram. Ainda que existam raras representantes femininas nas esferas de poder, as lideranças são masculinas na esmagadora maioria das vezes. Pode ser em empresas, países, organizações, Executivo, Legislativo, Judiciário, onde quer que haja poder, com P maiúsculo, mulher é minoria.
O jornalismo é uma rara exceção. Seja por conta da precarização dos salários, ou das relações trabalhistas fragilizadas, nós somos maioria nessa nobre profissão. Sendo assim, não causa espanto que o Relator Especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão tenha observado que o abuso online contra jornalistas ocorra com maior frequência em direção às jornalistas mulheres.
Acostumados a reinar em um país fortemente marcado pela herança colonialista e oligárquica, e por práticas machistas, racistas e homofóbicas, essa postura era de se esperar.
Talvez isso explique porque, diante de críticas a suas falas, ações ou pensamentos, certas lideranças se defendam com alcunhas nada lisonjeiras dirigidas a jornalistas mulheres: mal-amada, vagabunda, troca sexo por informação, maria-gasolina, maria-chuteira, puta, é vasto o arsenal disparado contra profissionais que ousam desafiar, e muitas vezes desnudar, o reino de Marlboro.
Em tempos virtuais, quando basta digitar no Google para descobrir todo o histórico de alguém, não é fácil ver seu nome associado a qualificativos desse calibre.
Em boa parte das vezes, para vergonha da família e, sobretudo, dos filhos, as jornalistas sucumbem. Não foi o que se viu no lançamento da “Cartilha sobre medidas legais para a proteção de jornalistas contra ameaças e assédio online”, lançada em forma de convênio entre a Abraji e a a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio do seu Observatório da Liberdade de Imprensa.
Com certa mágoa no olhar, a jornalista Patrícia Campos Mello relatou à plateia majoritariamente masculina o assédio que vem sofrendo das esferas mais “elevadas” do Poder. Patrícia relatou como seu nome e seu rosto são associados a imagens pornográficas que circulam na internet, além de referências a ela como prostituta, com todo respeito às prostitutas, é bom frisar.
Como ela, outras jornalistas podem tirar proveito da nova Cartilha, que oferece orientação jurídica básica para quem se sentir ameaçado ou hostilizado virtualmente.
A orientação – e não representação jurídica, é bom dizer –, é feita após o caso ser enviado pela Abraji ao Observatório de Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados. A OAB se compromete a orientar sobre os primeiros passos que o jornalista deve dar para garantir sua segurança e assegurar o pleno exercício da liberdade de imprensa.
Quem estiver ameaçado ou coagido pode escrever um e-mail para abraji@abraji.org.br com um breve relato da situação. Incluir, se possível, prints das ameaças ou dos ataques, além de um telefone de contato. Se a situação for de perigo iminente, o recomendável é dirigir-se a uma delegacia.
Se nada disso funcionar, a parceria entre Abraji e OAB permite também levar a queixa a outras esferas, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Só para não esquecer: a Justiça também é terra de Marlboro. Maria da Penha, que dá nome à principal ferramenta de proteção à mulher vítima de violência, precisou recorrer a cortes internacionais para ser ouvida e denunciar seu companheiro, que lhe desferiu um tiro nas costas, enquanto ela dormia.
Por essas e outras, a cartilha para jornalistas elaborada pela Abraji e pela OAB é uma das melhores notícias para o jornalismo nos tempos obscuros que vivemos no Brasil.
* Darlene Menconi é jornalista e associada à APJor
Foto: Orlando Brito
Saiba mais