Live Abraji/OAB debate liberdade de imprensa

Evento reforça necessidade de valorizar o jornalista e institucionalizar a profissão

Por Celso Bacarji - Com espanto diante dos recentes ataques aos profissionais de imprensa e os olhos abertos pela pandemia do Covid-19, advogados, juristas e jornalistas se unem para defender a liberdade de imprensa

Por Celso Bacarji*

O seminário promovido pela Faculdade de Direito da USP, Conselho Federal da OAB e Abraji, sobre a “liberdade de imprensa, justiça e segurança dos jornalistas”, mostrou claramente que as instituições nacionais acordaram para a gravidade do momento pelo qual passa o jornalismo brasileiro, uma situação que vimos denunciando há meses aqui na APJor, antes mesmo das eleições de 2018.

Duas categorias profissionais que tradicionalmente lideram a defesa da democracia e dos direitos humanos no Brasil, advogados e jornalistas finalmente iniciam um movimento de resistência aos atentados à democracia que vêm ocorrendo no País há pelo menos cinco anos. Os ataques à imprensa tem sido um dos mais graves desses atentados.

Com a participação dos ministros do STF, Luis Roberto Barroso e Alexandres de Moraes, e do procurador geral da República, Augusto Aras, o evento refletiu preocupações de outras instituições de alto escalão no Estado brasileiro. Os três foram unânimes em repudiar os ataques aos jornalistas e à imprensa, apontando claramente a ilegalidade, inclusive a inconstitucionalidade, de tais atos, e observando a importância de valorizar o jornalista profissional, neste momento de grave ameaça à democracia brasileira.

Os três representantes do aparato jurídico do Estado apontaram a valorização, o prestígio e a responsabilização da profissão jornalista como uma das condições indispensável para vencer as campanhas de desinformação que radicalizam a opinião pública brasileira.

Institucionalizar é valorizar 

Foram falas de advogados e juristas que pertencem a uma categoria profissional que ostenta séculos de história e encontra-se, até agora, plenamente institucionalizada no contexto da sociedade brasileira.

As primeiras faculdades de Direito do Brasil surgiram logo depois da independência, a Faculdade de Direito de Olinda, que deu origem à Faculdade de Direito da UFPE, e a Faculdade de Direito de São Paulo, hoje Faculdade de Direito da USP, uma das patrocinadoras do evento. O Conselho Federal da OAB, embora criado em 1930, por Getúlio Vargas, vinha sendo tentado pelos advogados desde 1880.

A institucionalidade do profissional de jornalismo também tem sido uma dura batalha dos jornalistas desde a década de 30, quando o próprio Getúlio Vargas regulamentou por decreto as condições de trabalho nas empresas jornalísticas. O primeiro curso de jornalismo foi instituído em 1943, pelo mesmo Getúlio.

Em 1969, sob o governo militar, foram instituídas regras mais detalhadas para o exercício da profissão, estabelecendo, por exemplo, a exigência do registro profissional, jornada de trabalho, diploma de curso superior de jornalismo e estágio, entre outras regras.

Desde então, esse decreto foi modificado diversas vezes, culminando com a decisão do próprio STF, em 2009, de anular a exigência do diploma para o exercício da profissão, alegando conflito com o princípio constitucional da liberdade de expressão.

Recentemente, o governo Bolsonaro voltou a investir contra a institucionalidade da profissão anulando a exigência de registro profissional no Ministério do Trabalho por meio de medida provisória (MP 905/19), retirada de pauta pelo presidente do Senado pouco antes de perder sua validade por não votação no Congresso Nacional no prazo legal.

Como valorizar, prestigiar e atribuir responsabilidades a uma categoria que vem sendo cada vez mais desregulamentada, que perde a cada dia sua autoridade profissional, sua segurança e seu mercado de trabalho? “Agora nós vimos o estrago que fizemos”, deveriam dizer os senhores ministros. Agora, diante da pandemia do Covid 19, percebemos o quanto o profissional jornalista é fundamental.

De fato, estamos vivendo um revival do jornalismo profissional, como observou o ministro Barroso. Estamos submetidos a condições iguais ou talvez piores do que aquelas que vivemos durante a ditadura. Sim, porque embora naquela época o nosso trabalho trouxesse riscos à nossa segurança física e fosse vetado ou retalhado pela censura, caminhávamos, ainda que lentamente, para conquistar o respeito que a profissão exige.

Clima de Diretas Já

Por falar em respeito à profissão, causou estranheza a ausência no seminário da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), uma instituição ainda mais antiga que a OAB, fundada em 1908, pelo jornalista Gustavo Lacerda, considerado “um anarquista perigoso”, pelos seus críticos, na época.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), uma das responsáveis pelas conquistas da profissão desde 1946, ano de sua fundação, foi outro vácuo no debate. A entidade tem 40 mil associados e congrega 31 sindicados de jornalistas em todo o Brasil e foi responsável pelos maiores avanços na institucionalidade da profissão em pleno período da ditadura.

De qualquer forma, como disse o jornalista Juca Kfouri, comentando o Ato Virtual organizado pela APJor – o primeiro ato público da categoria contra os ataques aos jornalistas e à liberdade de imprensa nesses tempos de opressão e intolerância: “Sinto um clima de Diretas Já”.

Tomara que o despertar dessas instituições dê início a uma reação em cadeia, que envolva toda a categoria na busca por uma nova institucionalidade da profissão no Brasil. Fica mais claro que esse é um caminho necessário e, mais do que nunca, o momento oportuno para uma reação de todos os jornalistas. Um caminho que a APJor começou a trilhar em 2016, quando foi fundada.

Que se tornem realidade as palavras do presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, no seminário: “Os terroristas digitais não vencerão. A liberdade vencerá”.

*Celso Bacarji é jornalista e diretor da APJor

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APJor

A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.