Aras ataca as fake news e defende a “imprensa profissional”

Aras ataca as fake news e defende a “imprensa profissional”

Por Antonio Graça O procurador geral da República e dois ministros do Supremo defenderam enfaticamente a liberdade de imprensa, relativizaram o direito à liberdade de expressão, que não é absoluto, e condenaram os ataques a repórteres

Por Antônio Graça*

Na manhã do dia 27 de maio, durante encontro virtual sob o tema “Liberdade de imprensa: justiça e segurança dos jornalistas”, o procurador geral da República, Augusto Aras, descreveu as fake news como um fenômeno da “era da pós-verdade”, onde a desinformação promove “a ignorância e a imoralidade”. Para combater a pós-verdade, sugeriu “defender a imprensa responsável, profissional”. Na tarde do mesmo dia, porém, Aras solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão da tramitação do inquérito contra as fake news.

Foi impecável seu discurso no evento promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), com o apoio da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Aras explicou como, historicamente, a liberdade de expressão se amplia com a evolução da sociedade. Citou o exemplo da jurisprudência estabelecida pelo STF, que mostra a proteção à liberdade de expressão em várias de suas decisões, negou qualquer base constitucional para a censura prévia e concluiu que a liberdade de expressão é, sim, um direito preferencial no Estado de Direito —mas não é absoluta, “como nenhum direito é absoluto: há limites impostos pela própria lei”.

No evento virtual, também estavam presentes os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do STF; o presidente nacional, Felipe Santa Cruz, e o responsável pelo Observatório Permanente da Liberdade de Imprensa, Pierpaolo Bottini, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); o diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques; e a repórter Patrícia Campos Mello, além do jornalista e professor Marcelo Träsel, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Asfixiar a imprensa

Já o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, recordou em sua intervenção os tempos e atos de censura prévia à imprensa durante o regime militar instalado no Brasil em 1964. Para ele, a Constituição de 1988 é uma garantia, porque foi obsessiva na questão da liberdade de expressão – e mesmo assim sempre há episódios de ataque ao direito de se manifestar. Esses episódios, lembrou, “têm sido repudiados pelo STF”.

Ao pressupor a livre circulação de ideias, a liberdade de expressão constitui um direito essencial para a democracia, explicou Barroso. Além disso, é um direito preferencial, porque também é essencial para o exercício de outras liberdades. Mas não é um direito absoluto. Precisa ser ponderado com outros direitos.

No contexto dos ataques à imprensa em escala mundial, ele mencionou também a emergência de governos populistas e a degradação da democracia em vários países, como Polônia e Filipinas. Estes e outros, ponderou, são governos avessos à imprensa tradicional e querem dispensar a intermediação profissional dos jornalistas, em favor de uma comunicação direta com o público, via redes sociais. Trata-se, no seu entender, de uma tentativa de desestabilizar a imprensa tradicional que, se não ocorre por meio da censura expressa, muitas vezes busca asfixiá-la economicamente.

Sobre a internet, Barroso afirmou que, de um lado, ela democratizou a informação, mas, de outro, produziu o fenômeno das fake news. “Não há decisão judicial que possa impedir as notícias falsas”, alertou. “Isso só será possível por uma ação combinada de três atores: as próprias redes sociais, a imprensa e a sociedade”. O ministro também apontou a necessidade de “revitalização” do jornalismo profissional: “É o jornalismo que se move por regras éticas e que faz o filtro necessário dos fatos, antes de publicá-los”.

Jornalistas amedrontados

De sua parte, o ministro Alexandre de Moraes, também do STF, indicou três pilares de sustentação da democracia: eleições livres, Poder Judiciário independente e imprensa livre. Toda ditadura, segundo ele, se inicia atacando esses três pilares. Mas os governos populistas recentes atacam principalmente o Poder Judiciário e a imprensa livre, ponderou. No caso da imprensa, o objetivo é cercear a livre discussão e impedir o curso da informação. Para Moraes, se a imprensa se pauta pelo binômio liberdade e responsabilidade, ela tem mais que o direito, tem o dever de levar a informação ao público.

No entanto, segundo ele, não se pode confundir responsabilidade com cerceamento da liberdade de expressão. De acordo com o ministro, eventuais erros ou abusos devem ser objeto das penas previstas em lei. O constrangimento da imprensa tradicional acaba favorecendo a indústria das fake news, afirmou. Para ele, ter jornalistas amedrontados é abrir mão da liberdade de imprensa e ceder o lugar aos robôs que produzem desinformação.

Ninguém melhor do que a jornalista Patrícia Campos Mello, repórter da Folha de S. Paulo, para falar do medo a que se refere Moraes: ela foi e continua sendo vítima de ataques e ameaças sem fim. No evento, Campos Mello afirmou que atualmente existe uma política sistemática de intimidação da imprensa por parte do Presidente Bolsonaro, seus familiares e colaboradores.

A jornalista contou como foi difamada com montagens pornográficas que a acusavam de obter informações por meios escusos e de ser uma prostituta, trocando sexo por notícias. Entre os repórteres, as mulheres tornaram-se alvos preferenciais das forças políticas que atacam o conjunto da imprensa, ponderou a repórter: “Não sou a única. A Miriam Leitão (Globo) e a Vera Magalhães (Estadão) também foram atacadas ou ameaçadas”.

O clima, de acordo com ela, é mesmo de medo: “Toda vez que vamos fazer uma reportagem, fica o temor da agressão ou hostilidade que sofreremos”. Paradoxalmente, disse, tudo isso acontece no momento em que a atuação da imprensa é mais necessária, como na cobertura da pandemia do coronavírus.

Cartilha para proteção de jornalistas

Träsel, presidente da Abraji, lembrou que, desde a redemocratização, em 1985, nunca a liberdade de imprensa esteve tão ameaçada. Lamentou que a defesa dos jornalistas tenha que ser objeto da iniciativa conjunta entre a Abraji e a OAB e citou, entre os tristes fatos da nossa época, a decisão de várias empresas jornalísticas de retirar seus repórteres do Palácio da Alvorada, devido às ameaças verbais e físicas que os profissionais vinham sofrendo.

“Engana-se quem acha que a liberdade de imprensa é privilégio de jornalistas”, acrescentou Floriano de Azevedo Marques, da Faculdade de Direito da USP. “É um direito de todo cidadão ser bem informado.” Por sua vez, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, nomeou acertadamente como “terroristas virtuais” os que se utilizam da internet para fazer ameaças e ataques pessoais a jornalistas. “Pela primeira vez na história do país, os jornais não se sentem seguros para cobrir o Alvorada”, afirmou. Também considera “dias tristes” estes em que a PF tem de fazer uma operação para identificar os que “financiam o terrorismo digital”.

O criminalista Pierpaolo Bottini, do Observatório Permanente da Liberdade de Imprensa na OAB, explicou a finalidade do convênio com a Abraji, que resultou na elaboração da Cartilha sobre medidas legais para a proteção de jornalistas contra ameaças e assédio online, e a disponibilidade, em todo o país, das instâncias da OAB para dar orientações complementares àquelas existentes na cartilha. Esclareceu, porém, que esse atendimento não inclui a “representação processual” dos agredidos. Bottini acrescentou que a publicação da cartilha é “um passo além no sentido de auxiliar o Poder Judiciário a identificar os agressores que se escondem atrás de uma bandeira ou de um teclado”.

*Antônio Graça é jornalista associado e colaborador da APJor

 

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