Por Luiz Roberto Serrano
A minha geração de jornalistas, que começou na imprensa no fim dos anos 60 e começo dos 70, acompanhou com entusiasmo o embate entre o Washington Post e a administração de Richard Nixon, no caso Watergate, que resultou na renúncia do presidente norte-americano, em 1974, para evitar seu impeachment. Durante o transcorrer das investigações do Washington Post, secundado por outros jornais como New York Times, vivíamos ainda sob censura e o destemor e a liberdade da imprensa norte-americana nos fascinava.
Lembrei do episódio porque ele é emblemático do papel e da importância da imprensa em regimes democráticos e na resistência aos autoritarismos. Eram tempos de predominância da imprensa escrita, do rádio e da TV, que eram os instrumentos preponderantes de comunicação de notícias com a sociedade, cobrindo, em maior ou menor grau, todos os espectros de opiniões políticas, econômicas e culturais da sociedade, embora com predominância de veículos de extração conservadora.
Em tempos de “abertura lenta, gradual e segura”, inaugurada pelo governo de Ernesto Geisel, que retirou a censura a partir de 1974, a imprensa tradicional brasileira abriu espaço a debates políticos, contra e a favor do regime, acompanhou e deu visibilidade, dez anos depois, à campanha das Diretas Já.
Nos anos 1990, deu-se a renúncia de Fernando Collor também para evitar o impeachment, numa campanha em que a imprensa não foi a protagonista, mas a espelhou e divulgou com vigor, com intervenções importantes em momentos decisivos, como no episódio do Fiat Elba. Cerrou fileiras a favor do impeachment em função das práticas de corrupção que rondavam a administração Collor, apesar de ser simpática ao seu programa econômico.
Já no século XXI, com internet e redes sociais a todo vapor abrindo uma nova era na comunicação, a imprensa tradicional deu ampla cobertura à operação Lava Jato, abrindo seu espaço e competindo furiosamente pelos vazamentos das investigações que se multiplicaram como nunca visto. Simultaneamente, abriu amplo espaço para cobertura do processo de impeachment de Dilma Roussef, com cujas diretrizes políticas e econômicas os principais veículos de comunicação não se identificavam.
Nos quatro casos que citei a imprensa brasileira não teve o papel protagonista do Washington Post em relação a Nixon, nos EUA, ao liderar as investigações e estimular a entrada em cena das diversas instâncias jurídicas e constitucionais do Estado norte-americano. Mas influiu decisivamente no debate político da sociedade em cada um daqueles momentos, embora, em cada um deles, tenha desagradado ou a gregos ou a troianos. No caso da cobertura do impeachment de Dilma Roussef recebeu dos partidários da ex-presidente o epíteto de “imprensa golpista”.
Isto posto, é preciso registrar que dos anos 1990 para cá o panorama da imprensa alterou-se com a entrada em cena da internet e das redes sociais. Desde o fim do século passado, a imprensa, especialmente a escrita, se viu às voltas com a concorrência da internet que propiciou, num primeiro momento, a criação de sites noticiosos e blogs e, posteriormente, das redes sociais.
Ao mesmo tempo que propiciou a democratização da comunicação no mundo, dando poder de expressão e divulgação aos indivíduos, as redes sociais, em especial, as novas ferramentas puseram em xeque o modelo de negócios da grande imprensa, enfraquecendo sua saúde financeira e econômica. No esforço de recompor-se, os veículos patrocinaram profundas modificações no seu modo de produção e monetização, apostando mais em geração de renda via assinaturas do que por anúncios, seu modelo clássico. E hoje batalham por visibilidade e influência no amplo espaço da internet.
Nesse processo, em busca de recomposição financeira e econômica, os jornalistas foram seriamente prejudicados, via demissões para redução de custos, substituição, quando há, por profissionais com remuneração menor, precarização das condições de trabalho e longas jornadas na busca e divulgação de notícias.
Paralelamente, o status profissional dos jornalistas vem sendo continuamente questionado, com idas e vindas sobre a legislação que regula a profissão, ora exigindo diploma de jornalista para o seu exercício, ora retirando a sua exigência, o que possibilita o exercício da profissão por pessoas inabilitadas do ponto de vista técnico e ético.
A internet e as redes sociais, por sua vez, abriram a a oportunidade para o exercício e expansão do jornalismo exercido por iniciativa dos profissionais, seja em voos solos, seja em grupos, seja em pequenas empresas, seja via instituições de apoio, o que propicia uma importante democratização da comunicação na sociedade.
É um campo aberto para a ampliação do alcance do jornalismo de qualidade, tanto noticioso quanto opinativo – e vem crescendo, ganhando cada vez mais visibilidade e importância como formadores de opinião. O desafio dessas iniciativas é obter respaldo financeiro suficiente para o seu bom funcionamento e o sustento dos profissionais que a ele se dedicam, cada vez em maior número.
Ressalte-se que essa ocupação de espaço é fundamental e crucial neste momento em que a internet e as redes sociais estão contaminadas, em escala inadmissível, pelas funestas fake news, inclusive por auto proclamados jornalistas, que desinformam, desmoralizam, ofendem a tudo e a todos, sejam pessoas, sejam instituições, seja o processo político democrático defendendo ideias autoritárias e retrógradas. E que ganham uma indesejada e irresponsável repercussão, de norte a sul, num país em que há mais smartphones, o espaço por excelência da internet, do que habitantes.
Enfim, o jornalismo e os jornalistas vivem um momento definidor, estes, em especial, na condição de profissionais com competência técnica e ética para bem informar a sociedade neste momento delicado da vida do país, seja na imprensa tradicional seja pelo crescente e incontável número de blogs e sites que ocupam a internet e as redes sociais.
O papel da Apjor é colaborar para o debate deste momento especial e apontar os possíveis caminhos para que os jornalistas exerçam cada vez melhor a sua profissão e, por consequência, o jornalismo seja um dos alicerces da democracia no Brasil.
Jornalismo e democracia são sinônimos.
*Luiz Roberto Serrano é jornalista, superintendente de comunicação da USP e associado da APJor
Foto: Ato de defesa da liberdade de imprensa realizado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em setembro de 2019