Por Lia Ribeiro Dias*
Desta vez, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), não conseguiu convencer juiz, desembargadores e ministro do STJ de que uma reportagem publicada na imprensa tinha ofendido sua honra e direito de imagem. Conhecido por processar jornalistas quando entende que seus direitos de personalidade são atacados, Mendes moveu ação contra os repórteres Octávio Costa e Tábata Viapiana, então na revista IstoÉ, e também contra a Editora Três, que publica a revista. Perdeu na primeira e na segunda instâncias e viu fracassar seu agravo junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Não foi a primeira vez que perdeu. Nas ações que moveu contra o jornalista Paulo Henrique Amorim, morto em 2019, colheu uma derrota. No caso da ação contra os jornalistas da IstoÉ ainda cabe recurso à 3a Turma do STJ. Se recorrer, tudo indica que o ministro não tem nenhuma chance de vitória, pois, em seu voto no STJ, proferido em 8 de abril deste ano, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ratificou todos os termos do acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ/DF), que deu ganho de causa aos jornalistas e à editora.
A reportagem que levou o ministro Gilmar Mendes a processar os jornalistas e a IstoÉ, por danos morais, em causa avaliada em R$ 150 mil, foi publicada em 15 de dezembro de 2017 com o título “Gilmar Mendes: negócio suspeito”. A matéria teve por base um inquérito do Ministério Público (MP) do Mato Grosso, que investigou e considerou suspeita a venda das instalações da faculdade privada Ensino Superior de Diamantino (Uned), localizada na cidade do mesmo nome, para a Universidade Estadual do Mato Grosso por R$ 7,7 milhões no governo Silval Barbosa. A Uned pertencia a Maria da Conceição Mendes França, irmã do ministro do STF, que foi seu sócio de 1999 a 2000, quando deixou a sociedade para assumir a Advocacia Geral da União (AGU). O MP indiciou o ex-governador Barbosa e mais quatro pessoas pelo negócio considerado escuso, de acordo com suas investigações.
Em alguma altura do caminho, o inquérito do MP parou. Em fevereiro de 2021, o MP decidiu retomar a investigação para apurar quem se beneficiou da estatização da Uned. O ex-governador Silval Barbosa, em fevereiro de 2017 foi condenado a 13 anos e sete meses de prisão por liderar uma organização criminosa que desviou mais de R$ 2,5 milhões dos cofres públicos por meio da concessão fraudulenta de incentivos fiscais a empresários, através do Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (Prodeic). Como confessou a participação no crime e firmou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), cumpre a pena em regime domiciliar diferenciado.
O ministro Cueva não deu provimento ao agravo de Mendes, por entender que o STJ não é o lugar para “revolvimento de acervo fático probatório”, e manteve o teor do acórdão do TJ/DF. Por sua vez, o TJ/DF considerara indevida a reparação “porque as provas produzidas não indicam, sequer minimamente, que os apelados tenham extrapolado os limites da liberdade de expressão e informação e violado a privacidade do apelante, pessoa pública, cuja regularidade do agir social é, sem sombra de dúvidas, de interesse de toda a coletividade”. Segundo o TJ/DF, os jornalistas não investigaram, apenas relataram fatos da investigação feita pelo MP, lembrando que a mesma denúncia foi publicada por outros órgãos de imprensa como, Folha de S. Paulo e Valor Econômico.
Nem para síndico
Jornalista com um longo currículo e passagens por várias publicações do país, Octávio Costa conseguiu, assim, vencer Gilmar Mendes nos tribunais, já que a reportagem de que participou foi ancorada nos fatos e apoiada exclusivamente no inquérito do MP do Mato Grosso. Mas o repórter não teve a mesma sorte quando foi processado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, então vice-presidente da Caixa Econômica Federal (CEF).
Por conta de uma nota de quatro linhas na coluna “Brasil Confidencial” da revista IstoÉ, publicada em 18 de janeiro de 2012, Costa provocou a ira do político baiano. À época diretor da sucursal de Brasília da IstoÉ, Costa deu o título “Nem para síndico” à nota publicada, informando que Geddel havia se candidatado a síndico do luxuoso condomínio onde morava em Salvador (BA) – mas não conseguira se eleger. A informação veio de um repórter da IstoÉ que cobria o Congresso Nacional.
Geddel acionou jornalista e revista, provou que não apresentou sua candidatura no dia da eleição no condomínio, e ganhou em primeira e segunda instâncias. A Justiça baiana considerou que a nota, mesmo no condicional, acarretou um enorme dano à imagem do político, especialmente no seu estado, embora o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ/BA) tenha reduzido a indenização por danos morais, determinada em primeira instância, de R$ 50 mil para R$ 25 mil. Em agosto de 2016, o recurso especial apresentado ao STJ pela advogada do jornalista e da revista não teve provimento.
No dia 30 de maio de 2018, Octávio Costa já não era mais diretor da sucursal da IstoÉ em Brasília. Tinha voltado ao Rio de Janeiro, onde nasceu e fez parte de sua carreira jornalística, para aceitar mais um desafio, daqueles que enchem de energia e esperança qualquer jornalista que se formou na busca da notícia verdadeira, dos que acreditam em um jornalismo ético e plural mesmo quando empregados na mídia corporativa. Foi resgatar o velho JB.
Ele lembra que precisou fazer uma transação bancária online. Entrou na conta do Itaú, estava bloqueada. Entrou na do Bradesco, idem. Segundo ele, os saldos eram baixos. Ligou para a sua gerente do Itaú. Ela disse que a conta tinha sido bloqueada pela Justiça. Ele então se lembrou da ação do Geddel e ligou para a advogada da IstoÉ. Ela perguntou: você tem poupança? Como todo jornalista que consegue guardar algum dinheiro, ele tinha. Foi verificar: R$ 67 mil tinham sido retirados pela Justiça. “Deus do céu, eu tinha e Geddel levou boa parte da minha poupança”, relata.
A Justiça bloqueou as contas pessoais e tirou dinheiro da poupança do repórter porque a Editora Três, que edita a IstoÉ, estava em concordata. Octávio Costa viu-se obrigado a negociar com a editora que o empregara para que pagasse ao menos parte da indenização que a Justiça concedera ao autor da ação. Conseguiu que o grupo Três pagasse metade do valor (R$ 33.500), dividida em dez prestações. Como se vê, nem os jornalistas empregados na mídia corporativa conseguem se livrar das indenizações na Justiça a título de danos morais.
Em tempo: em 3 de julho de 2017, quase um ano depois da decisão em última instância do caso Geddel Vieira Lima vs. Octávio Costa, Geddel foi preso na Operação Greenfield. Foi solto no mesmo mês para cumprir prisão domiciliar e preso de novo em setembro daquele ano, depois que foram apreendidos R$ 51 milhões em espécie em um apartamento em Salvador ligado a ele. Em 22 de outubro de 2019, a Segunda Turma do STF condenou o ex-ministro a 14 anos e dez meses de prisão em regime fechado e seu irmão, o ex-deputado Lúcio Vieira Lima, a dez anos e seis meses em regime fechado. Em 15 de julho de 2020, Geddel passou a cumprir prisão domiciliar por ter mais de 60 anos e ser hipertenso, o que o coloca no grupo de risco do coronavírus.
* Lia Ribeiro Dias é jornalista e associada da APJor
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