Livro de Eugenio Bucci desvenda transformações do capitalismo

Eugênio Bucci desvenda, em livro, as mutações do capitalismo

“A superindústria do imaginário” mostra como as “big techs” transformaram os dados pessoais dos internautas no “novo petróleo”. Para o professor Bucci, “nunca o capitalismo desenhou um modelo de negócio tão perverso, tão acumulador e tão desumano”. Veja resenha de Antonio Graça, para o site da APJor

Por Antonio Graça*

Com um vasto repertório de recursos teóricos, extraídos de múltiplas áreas do conhecimento, que vão da filosofia à história, da sociologia à economia, da lingüística à psicanálise, o jornalista e professor Eugênio Bucci acaba de publicar um livro fundamental para se compreender as transformações e transfigurações por que passa o capitalismo. O título e o subtítulo são tão surpreendentes e instigantes como é a própria obra: A superindústria do imaginário – Como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível.

O livro mostra como algumas jovens empresas de tecnologia da informação, a exemplo de Google, Facebook, Apple e Amazon, estão mudando radicalmente a estrutura e a forma do capitalismo. Elas criaram uma nova economia, “a economia da atenção, que consiste em mercadejar com o olhar, com os ouvidos, o foco do interesse e a curiosidade dos consumidores”.

Segundo Bucci, o esquema é elementar: “Primeiro o negociante atrai a ‘atenção’ alheia; ato contínuo, sai por aí a vendê-la com zilhões de dados individualizados sobre cada um e cada uma que, no meio da massa, deposita seu olhar ansioso sobre as telas eletrônicas e entrega seus ávidos ouvidos aos headphones cada vez mais imperceptíveis”.

Extratoras de olhar e dados pessoais

O autor cita uma impressionante matéria de capa da revista semanal britânica The Economist , de 6 de maio de 2017, sobre estas novas empresas, também chamadas big techs. A reportagem mostra como os dados pessoais se converteram no “novo petróleo, ou seja, nos recursos mais valiosos entre todos os disponíveis na natureza”.

A magnitude econômica e o alto poder de fogo destas empresas desdobram-se no campo da política. Exemplo disso, de acordo com a matéria da revista, é o desafio que os Estados Unidos estão enfrentando para regular “as gigantes da Internet”. Com o porte descomunal que atingiram, “as extratoras de olhar e de dados pessoais se situam numa altitude inalcançável paras as legislações nacionais”.

Bucci questiona: “O que poderia fazer uma eventual agência reguladora de um país de menor porte, como  Uruguai, Portugal e Coréia do Sul, para estabelecer os limites a um Facebook da vida?”. Muito pouco, constata: “Aborrecê-lo um pouco, talvez, mas nada além disso. Sozinha, uma legislação nacional de um país médio não consegue fazer cócegas no fluxo de caixa do Facebook”.

Capitalismo, mercador de signos

Nesse sentido, as gigantes da Internet apresentam ainda uma característica assustadora: concentram mais poder de comunicação e mais controle sobre o fluxo da informação do que a imensa maioria dos Estados nacionais. “Têm mais força de mercado que as bancas do capital financeiro internacional”, afirma Bucci. “Estamos tratando de algo que nunca se viu.”

De fato, é o próprio mundo que está mudando nas ondas desse novo capitalismo, cujo centro agora é a tecnologia e a economia de dados. “O capitalismo dos nossos dias é fabricante de signos e mercador de signos – as coisas corpóreas não são mais o centro do valor”, sintetiza Bucci.

É o mesmo entendimento do sociólogo Ricardo Musse, que assina a quarta capa do livro. Segundo ele, na “ação de olhar”, na fabricação de valores e reputações, Bucci identifica uma mudança no estatuto da mercadoria, com a prevalência da imagem sobre o corpo, do desejo sobre a necessidade, do “valor de gozo” sobre o “valor de uso”. Escreve Musse: “Aponta-se assim para uma mutação do próprio sistema capitalista. Na era dos conglomerados monopolistas globais, a totalidade do imaginário foi mais do que colonizada, empacotada pelo capital”.

Tapeações e ocultamentos

O livro revela refinamento intelectual e erudição do autor, que navega com segurança e brilho no plano das idéias, apresentando vários insights. Mas reflete também um pensador atento e ligado à realidade mais imediata de todos nós, com seus dilemas e problemas. Bucci também ausculta a palpitação do cotidiano, observa os fatos e ouve as vozes dos espaços públicos.

Ou seja, ele também esquadrinha a realidade concreta, o aqui e agora. E, nesse perscrutar, afirma que, nas big techs, o grau de exploração da superindústria do imaginário alcançou um nível de “tapeações e ocultamentos tão requintado que nem os mais sovinas, sagazes e impiedosos barões da Revolução Industrial ousariam supor”.

Uma das conclusões de Bucci nos descortina um cenário cruel e sombrio do nosso tempo: “Nunca o capitalismo desenhou um modelo de negócio tão perverso, tão acumulador e tão desumano”.

*Antonio Graça é jornalista e associado da APJor

Serviço:

Livro: A superindústria do imaginário – Como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível.

Autor: Eugênio Bucci

Editora: Autêntica

Páginas: 446

Preço: Livro R$ 74,90 – E-book R$ 52,90 – Vendas on-line

APJor

APJor

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