Por Lia Ribeiro Dias*
A Associação Profissão Jornalista (APJor) pediu hoje, 14 de maio, à ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), sua inclusão como amicus curiae** na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6792), patrocinada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O objetivo da ADI é garantir a liberdade de expressão e coibir o assédio judicial contra jornalistas e órgãos de imprensa por danos morais. Weber é relatora da ação.
O mesmo pedido da APJor foi encaminhado ao ministro Gilmar Mendes, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 826), na qual a ABI pede que se limitem as possibilidades para promoção de ações na esfera criminal contra jornalistas e órgãos de imprensa, por infâmia, calúnia e difamação. A ADPF está baseada em jurisprudência do próprio STF e no direito internacional comparado.
Nas solicitações de amicus curiae – se habilitada, nossa entidade vai poder contribuir com os debates, apresentando fatos e informações aos relatores –, a APJor é representada pelos advogados Aroldo Joaquim Camillo Filho, Marco Antonio Reichelmann Jr., Alfredo Ermínio de Araújo Andrade e Vinícius Dino de Menezes, do Escritório Camillo Filho, Andrade, Pichini, Reichelmann, Bortolozzo & Rodrigues, de São Paulo.
A figura do amicus curiae foi expressamente definida no artigo 138 do novo Código de Processo Civil, de 2015, embora já fosse utilizada em várias áreas do Direito desde os anos 1990. “Trata-se da possibilidade de um terceiro intervir no processo por iniciativa própria, por provocação de uma das partes ou até mesmo por determinação do magistrado, com vistas a fornecer elementos que permitam o proferimento de uma decisão que leve em consideração interesses dispersos na sociedade civil e no próprio Estado”, escreve Cassio Scarpinelli Bueno, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em artigo publicado na Enciclopédia Jurídica da PUC-SP. Esses interesses, diz Bueno, de alguma forma “serão afetados pelo que vier a ser decidido no processo em que se dá a intervenção”.
Também entraram como amicus curiae nas ações patrocinadas pela ABI entidades que representam operadores do Direito, como a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABDJ), a Associação Advogadas e Advogados Públicos pela Democracia (APD) e o Coletivo por um Ministério Público Transformador (Transforma MP).
Área cível
A ADI, apresentada ao STF no dia 7 de abril, Dia do Jornalista, no bojo da Vigília pela Vida e pela Liberdade, tem por objetivo alterar o quadro atual em que jornalistas e órgãos de imprensa enfrentam ações cíveis por danos morais por qualquer motivo, mesmo que não haja dolo, pelo simples fato de exporem sua opinião ou crítica. E as reparações que vêm sendo definidas por juízes e desembargadores não têm nenhuma proporcionalidade, o que vem criando situações críticas de asfixia financeira, especialmente para jornalistas e veículos da mídia independente.
Por isso, a ADI pede que:
- ações indenizatórias por danos morais só possam ser admitidas se houver dolo por parte do jornalista ou do órgão de imprensa;
- essas ações só possam ocorrer no domicílio do jornalista ou veículo acionado;
- os juízes sejam impedidos de penhorar contas bancárias de jornalistas e veículos de pequeno porte; e
- os autores de ações que caracterizem litigância de má-fé paguem indenizações aos réus por danos materiais e morais.
Área criminal
O objetivo da ADPF, apresentada ao STF no dia 12 de abril, é semelhante, mas seu foco são as ações na área criminal, movidas a resposta a injúria, calúnia e difamação. As medidas propostas na ADPF têm por objetivo evitar que o jornalista seja acionado criminalmente na Justiça pelo simples fato de exercer o seu ofício. Para isso, a ADPF solicita que:
- o jornalista ou órgão de imprensa não poderão ser processados criminalmente por servidor público ou pessoa pública, exceto na hipótese de fabricação e propagação de notícias falsas;
- o Código Penal Militar não pode ser aplicado a condutas imputadas a civis, que devem ser julgados pela Justiça comum, com base nas normas do Código Penal, mesmo quando o ofendido for um militar ou uma instituição militar;
- a legislação eleitoral deve admitir a exceção da verdade quando o ofendido for candidato ou pessoa pública e a alegada ofensa concernir material de interesse público.
Muitas das alterações propostas já fazem parte de jurisprudências do STF e vão exigir a não recepção de artigos do Código Penal, do Código do Processo Eleitoral, da Lei Eleitoral e do Código Penal Militar. Na fundamentação da ADPF, a ABI argumenta com o periculum in mora*** diante do agravamento progressivo dos atentados à liberdade de expressão:
O jornalismo profissional sofre o assédio decorrente da proliferação de notícias falsas (fake news), de discursos de ódio veiculados contra órgãos de imprensa, da abertura de processos criminais contra jornalistas e do emprego de ações cíveis como forma de desencorajar o exercício legítimo da crítica pública. Essas tendências conjugadas têm convertido o Brasil em um país cada vez mais inóspito para o jornalismo.
* Lia Ribeiro Dias é jornalista e associada da APJor
** Amicus curiae significa amigo da corte ou do tribunal.
*** Periculum in mora significa “perigo na demora”. Ou seja, trata da necessidade de decisões céleres quando há risco evidente de prejuízo irreversível a um direito consagrado.
Para saber mais:
ABI entra com ADI no Supremo para garantir liberdade de expressão
Casos de assédio judicial a jornalistas
Vigília pela Vida e pela Liberdade