Por Celso Bacarji e Fabio Soares *
A violência contra jornalistas em 2020, com Bolsonaro protagonizando os ataques, registrou 428 casos – incluindo dois assassinatos – o que representa um aumento de 105,77% em relação a 2019, ano em que houve também crescimento das violações à liberdade de imprensa no País. Na verdade, foi o ano mais violento, desde a década de 1990, de acordo com o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil 2020, elaborado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e lançado nesta terça-feira (26/01).
A presidenta da Fenaj, Maria José Braga, enfatizou, na apresentação do relatório, o importante papel do presidente Bolsonaro, como representante de um movimento político de extrema direita, nesse aumento da violência. “Sozinho ele foi responsável por 175 casos (40,89% do total): 145 ataques genéricos e generalizados a veículos de comunicação e a jornalistas, 26 casos de agressões verbais, um caso de ameaça direta a jornalistas, uma ameaça à TV Globo e dois ataques à Fenaj”, além dos ataques feitos pelos seus seguidores que, naturalmente, agridem como forma de controle da informação, destaca o relatório da entidade.
Todo esse contexto, segundo Braga, fez surgir no relatório, três novas categorias de violência: ataques cibernéticos, atentados e sequestros. Ela ressaltou ainda que os dois assassinatos de jornalistas ocorridos no ano passado são preocupantes, embora o índice não tenha crescido em relação a 2019. “Isso nos leva a conclamar mais uma vez as autoridades para que de fato haja investigação sobre essa violência extremada, com a efetiva punição dos responsáveis”, disse ela.
O levantamento da Fenaj, feito em parceria com os sindicatos de jornalistas em todo o Brasil, revela ainda que houve uma explosão dos casos de censura, sobretudo a censura interna. Braga explica que “esse é um tipo de atentado à liberdade de imprensa difícil de ser computado porque as denúncias não podem ser anônimas, portanto, é certo que existe uma subnotificação desses casos”.
Segundo ela, a situação da EBC se destacou, tendo sido registrados 76 casos de censura na empresa, depois de um esforço da entidade para o levantamento de dados, em parceria com o Sindicato dos Jornalistas do DF e do Rio de Janeiro.
Por regiões
A região Centro-Oeste registrou o maior número de casos, com 130 ocorrências, embora o Distrito Federal, isoladamente, tenha sido responsável 120 das agressões. A região Sudeste ficou com a segunda colocação, com 78 casos, observando, no entanto, que a região bateu o recorde de ataques diretos a jornalistas.
Por gênero
Os homens (147) foram os mais atacados diretamente, com 65,34% dos casos com gênero identificado. O índice de agressões a mulheres também cresceu (28,44%), especialmente ataques de caráter misógino.
Tipo de mídia
A TV liderou número de casos de ataques. 77 casos (24,44%)
Mobilizar os jornalistas
Após a apresentação do Relatório, Maria José Braga (foto) concedeu uma entrevista coletiva, na qual reforçou a importância de o jornalista que é vítima de agressão entrar em contato com o seu sindicato para ter apoio, sobretudo judicial. É importante também, segundo ela, que o jornalista exija do veículo para o qual trabalha um posicionamento claro em defesa dos jornalistas e do jornalismo.
“O intuito dos ataques aos profissionais é impedir a livre circulação da informação jornalística”, diz Braga, explicando que “descredibilizar” o jornalismo serve ao bolsonarismo e suas estratégias de desinformação de uma parte da população através das “bolhas” das redes sociais. O grande desafio é mobilizar os jornalistas para reagir contra essa situação. Para isso, os profissionais precisam perceber a gravidade do momento e buscar soluções coletivas, “organizando a categoria”, como vem ocorrendo no caso da EBC, diz ela.
Papel do Conselho
Perguntada pelo jornalista Fabio Soares, representante da APJor no evento, se um Conselho Profissional de Jornalistas, incumbido de zelar pela credibilidade do jornalista e do seu papel social, ajudaria a combater e intimidar esses ataques, sobretudo agora, quando eles têm se institucionalizado, Braga respondeu que a Fenaj é uma defensora do Conselho Profissional. “No passado fizemos uma proposta concreta para a criação do Conselho Federal dos Jornalistas, mas fomos massacrados pela mídia hegemônica”, observou.
No entanto, assegurou que a Fenaj é favorável a um Conselho democrático, plural, efetivamente de defesa ética, sob a observância do código de ética do jornalista brasileiro. “A gente espera que tenhamos um Conselho de fato a serviço do jornalismo e da sociedade, parceiro do sistema sindical dos jornalistas brasileiros e do direito da sociedade à informação jornalística. Não há saídas individuais como solução aos ataques”, disse Braga.
Assédio Judicial
A questão do assédio judicial a jornalistas e à liberdade de imprensa também foi registrada pelo Relatório. “Entendemos que isso é extremamente grave, porque os operadores da justiça deveriam ser os garantidores da liberdade de imprensa e de expressão no Brasil. Infelizmente, nós temos casos em que os membros do judiciário não só agem como censores mas também em proveito próprio, o que é gravíssimo. Exemplo disso é o caso da jornalista Schirlei Alves, do The Intercept Brasil, que está sendo processada tanto pelo juiz quanto pelo promotor pela sua matéria a respeito do julgamento do acusado de estupro da jovem Mariana Ferer, em Santa Catarina.
A presidenta da Fenaj informou ainda que a entidade vem atuando de diversas formas no combate à violência contra os jornalistas e às outras formas de cerceamento da liberdade de imprensa no Brasil. Além da denúncia pública, a Fenaj tem movido ações judiciais de reparação de dano moral coletivo e pressionado as instituições da República no sentido de reprimir tais atos. Em relação ao presidente Bolsonaro, que lidera as estatísticas de agressões à imprensa, a Fenaj é signatária de um dos pedidos de impedimento que foram protocolados na Câmara Federal.
* Celso Bacarji e Fabio Soares são jornalistas e associados da APJor.
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