REsenha Livro Cannabrava - Valverde

“Resistência e anistia”, um documento necessário para os dias de hoje

Novo livro de Paulo Cannabrava Filho recolhe 492 páginas de depoimentos dos personagens que construíram a resistência à ditadura civil-militar e nos propiciaram o interregno democrático entre 1988 e 2016. Veja, na resenha do jornalista Franklin Valverde, mais uma sugestão de leitura do site da APJor

cannabravaPor Franklin Valverde*

Vivemos um momento crucial para a história do Brasil, com perda de inúmeros direitos dos trabalhadores, ameaças constantes à cidadania e ao regime democrático. Além disso, temos alguns grupos de pessoas ensandecidas – e outras tantas por pura má-fé – pedindo o retorno dos militares ao poder. Dentro desse cenário surge a obra Resistência e anistia – A História contada por seus protagonistas, de autoria de Paulo Cannabrava Filho, editado pela Alameda, que dá elementos para o entendimento de nossa conturbada realidade atual.

Cannabrava é um profissional do jornalismo com mais de seis décadas de atuação e militância. Em seu currículo registram-se passagens pelo Correio da Manhã, Última Hora, Rádio Marconi, Folha de S. Paulo, além de outros veículos no exterior como El Nacional (Bolívia) e El Expreso y Extra (Peru). Atualmente é responsável pela revista virtual Diálogos do Sul, herdeira da revista Cadernos do Terceiro Mundo.

As quase 500 páginas de Resistência e anistia reúnem depoimentos de pessoas que viveram esse período histórico como protagonistas – e que muitas vezes não são ouvidas, pois não fazem parte do lado que forjou a história oficial. Entre elas podemos citar João Batista de Paula, Antônio Jorge de Oliveira, Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, Carlos Fernandes, Saulo Gomes, Regina Maria d’Aquino Fonseca Gadelha, Eduardo Reina, Mirnalene Neves, Idibal Pivetta, Rita Sipahi, Victor Mendonça Neiva e o próprio Paulo Cannabrava Filho. Em suas manifestações registramos a importância dos movimentos de anistia que possibilitaram a volta de centenas de exilados políticos ao Brasil.

Instituições, movimentos e jornalismo

Na leitura dos vários depoimentos constrói-se uma radiografia que apresenta de que forma os movimentos sindicais, estudantis e operários sofreram com a repressão durante a ditadura civil-militar (1964-1985), além do trabalho desenvolvido por inúmeras entidades que se mobilizaram pela anistia, fazendo dela uma conquista da sociedade brasileira. Entre elas temos instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), esse último comandado por Therezinha Zerbini, uma incansável lutadora pela causa.

Também se valorizou nos depoimentos a importância dos movimentos culturais no combate à ditadura, como os Centros Populares de Cultura (CPC), da UNE, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), assim como os teatros Oficina e de Arena, além do papel de artistas como Ruth Escobar, Maria della Costa, José Celso Martinez Corrêa, Plinio Marcos e outros. Uma pequena nota: merece registro a foto, de Juca Martins, que ilustra a capa do livro. Nela vemos eternizada a passeata em São Paulo do Movimento pela Anistia, ocorrida em 1979, e identificamos as atrizes Eva Wilma e Denise Del Vecchio e os atores Renato Consorte e Carlos Augusto Strazzer.

O jornalismo teve um papel de destaque na luta pela anistia e no combate à ditadura, principalmente com a chamada imprensa alternativa. Essa classificação abriga os jornais Opinião, Movimento, Pasquim e outros vinculados a partidos políticos, como Voz Operária (PCB), Classe Operária (PCdoB), O Guerrilheiro (ALN), Política Operária (Palop) e Libertação (AP), além de O São Paulo, ligado à Cúria Metropolitana de São Paulo. Não podemos esquecer a atuação de jornalistas como Audálio Dantas, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo que, em 1975, teve um papel importantíssimo na denúncia do assassinato de Vladimir Herzog nos porões do DOI-Codi.

Destaques

Todos os capítulos têm sua importância na construção desse resgate histórico sobre a resistência e a conquista da anistia pelos militantes brasileiros, mas alguns merecem um destaque especial. É o caso do que traz o depoimento de Eduardo Reina, autor de Cativeiro sem fim – As histórias dos bebês, crianças e adolescentes sequestrados pela ditadura militar no Brasil (Alameda, 2019), e do que conta com o testemunho do próprio Paulo Cannabrava Filho.

Reina relata a tragédia de filhos de indígenas, lavradores e militantes – principalmente dos que estiveram na guerrilha do Araguaia – que foram sequestrados de seus pais e entregues a outras famílias, de forma irregular, pelos militares e pelas forças de repressão que combateram e atacaram esses militantes. Já no depoimento de Cannabrava temos uma radiografia da esquerda brasileira no século 20, resgatando historicamente suas inúmeras divisões e as várias colorações, ou melhor, tonalidades políticas das organizações de esquerda, muitas delas oriundas do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O Partidão, como também era conhecido o PCB, era, até o início dos anos 1980, a maior organização de esquerda do Brasil, tendo capilaridade em todos os estamentos sociais: movimentos operários, sindicais e estudantis, na intelectualidade, entre os trabalhadores rurais e até em setores militares.

A leitura do livro nos faz perceber que muito do que vivemos atualmente deve ser creditado a essa História, que não foi concluída no período pós-ditadura militar, pois não houve a responsabilização e penalização dos culpados pela repressão. Vemos que nossos vizinhos latino-americanos, como a Argentina, fizeram a lição de casa com muito mais aplicação e competência, fato que infelizmente não ocorreu no Brasil. Nesse sentido, Resistência e anistia – A História contada por seus protagonistas é um importante documento que não só registra e recupera esse período importantíssimo da história do Brasil, mas também se transforma em um excelente material didático para alertar aqueles e aquelas que, ingenuamente, pedem a volta desses tempos que deveriam ficar arquivados nas páginas dos livros e jamais voltar aos palcos da vida nacional.

*Franklin Valverde é jornalista, escritor e associado da APJor

 

Serviço:

Livro: Resistência e anistia – A História contada por seus protagonistas

Autor: Paulo Cannabrava Filho

Editora: Alameda Editorial

Páginas: 488

Preço Alameda: R$ 76,00

Preço Amazon: R$ 68,40

APJor

APJor

A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.