ABI entra com ADI no STF

Precisamos de uma nova Lei de Imprensa no Brasil

As ações impetradas pela ABI para coibir o assédio judicial a jornalistas, das quais a APJor é amicus curiae, ainda aguardam a manifestação solicitada pelo STF à PGR e à AGU. Elas devem mitigar nossos problemas, mas não vão resolver todos eles. Lia Ribeiro Dias explica

Por Lia Ribeiro Dias*

Quais serão as consequências das duas ações impetradas pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF)? O que se espera é a maior proteção do exercício profissional e uma redução do número de ações contra jornalistas. A APJor buscou respostas numa roda de conversa com os três advogados que trabalharam, pro bono (ou seja, de graça), nas petições da nossa associação para entrar na conversa como amicus curiae (literalmente, “amigo da corte”).

O encontro ocorreu na quinta-feira, 15 de julho, e reuniu alguns associados da APJor com os advogados Vinícius Dino de Menezes, do escritório Camillo Filho Advogados Associados; e Marco Antonio Reichelmann Jr. e Alfredo Ermínio de Araújo Andrade, do escritório Andrade, Pichini, Reichelmann, Bortolozzo & Rodrigues. Menezes trabalhou na petição de amicus curiae para a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6792) e Reichelmann e Andrade redigiram a petição de amicus curiae para a Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF nº 826). Os três também farão a sustentação oral ou por escrito para defender suas posições.

Tanto a ADPF, cujo relator é o ministro Gilmar Mendes, como a ADI, que tem como relatora a ministra Rosa Weber, foram encaminhadas para a Procuradoria Geral da República (PGR) e para a Advocacia Geral da União (AGU). para que se pronunciem. O debate sobre as teses propostas pela ABI só começa depois que a PGR e a AGU se manifestarem.

Na visão dos três advogados, essas duas ações são muito relevantes para a garantia da liberdade de imprensa, que não trata apenas da liberdade dos proprietários de grandes veículos de comunicação para publicar conteúdo jornalístico. Ela também deve garantir o exercício profissional, para que os jornalistas exerçam sua profissão sem medo e sem cerceamento – ou seja, que possam narrar fatos, construir narrativas a partir de fatos que se entrelaçam, ter garantido o sigilo da fonte e saber que seu espaço de trabalho é inviolável. O objetivo das duas ações, em suma, é coibir o assédio judicial a jornalistas sem motivo justificado, tanto na esfera criminal quanto na cível.

O que pedem as ações

A ADPF trata das ações na área criminal, movidas para reparar a honra e o direito de imagem do reclamante por divulgação de informações enquadradas na categoria de injúria, calúnia e difamação. As medidas propostas na ADPF têm por objetivo evitar que o jornalista seja acionado criminalmente na Justiça pelo simples fato de exercer o seu ofício. Para isso, solicita que:

  • o jornalista ou órgão de imprensa não possam ser processados criminalmente por servidor público ou pessoa pública, exceto na hipótese de fabricação e propagação de notícias falsas;
  • o Código Penal Militar não pode ser aplicado a condutas imputadas a civis, que devem ser julgados pela Justiça comum, com base nas normas do Código Penal, mesmo quando o ofendido for um militar ou uma instituição militar;
  • a legislação eleitoral deve admitir a exceção da verdade quando o ofendido for candidato ou pessoa pública e a alegada ofensa concernir material de interesse público.

Muitas das alterações propostas já fazem parte da jurisprudência do STF e vão exigir a não recepção de artigos do Código Penal, do Código do Processo Eleitoral, da Lei Eleitoral e do Código Penal Militar. Na fundamentação da ADPF, a ABI argumenta com o periculum in mora diante do agravamento progressivo dos atentados à liberdade de expressão (a frase latina significa “perigo na demora”, ou seja, o receio de que a demora na decisão judicial cause um dano grave ou de difícil reparação).

Já a ADI tem por objetivo alterar o quadro atual em que jornalistas e órgãos de imprensa enfrentam ações cíveis por danos morais por qualquer motivo, mesmo que não haja dolo, pelo simples fato de exporem sua opinião ou crítica. As reparações que vêm sendo definidas por juízes e desembargadores não têm nenhuma proporcionalidade, o que acaba promovendo a asfixia financeira do réu, especialmente para jornalistas e veículos da mídia independente.

Por isso, a ADI reivindica que:

  • ações indenizatórias por danos morais só possam ser admitidas se houver dolo por parte do jornalista ou do órgão de imprensa;
  • essas ações só possam ocorrer no domicílio do jornalista ou veículo acionado;
  • os juízes sejam impedidos de penhorar contas bancárias de jornalistas e veículos de pequeno porte; e que
  • os autores de ações que caracterizem litigância de má-fé paguem indenizações aos réus por danos materiais e morais.

Lei de Imprensa

Os advogados veem grande chance de as ações terem sucesso. Para isso, querem enriquecer as teses defendidas pela ABI com casos concretos de jornalistas vítimas dos mais inusitados processos, muitos deles relatados no Dossiê do Assédio Judicial construído pela APJor. No entanto, destacam que os efeitos positivos das medidas propostas nessas ações, se vitoriosas, não vão responder a todos os problemas enfrentados pelos jornalistas desde que sua profissão foi quase totalmente desregulamentada em 2009, quando o STF revogou a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) e extinguiu a exigência de diploma de Jornalismo para exercer a profissão.

Ao acabar com a Lei de Imprensa, o STF decidiu que a regulação desses conflitos passaria a ter como base as regras gerais do Direito brasileiro, especialmente os artigos 186 e 927 do Código Civil. A lei tinha, de fato, entulhos autoritários, mas também trazia todo um regramento para arbitrar o difícil equilíbrio entre a garantia da liberdade de expressão e a garantia dos direitos individuais do cidadão. Como não foi devidamente reformada, em vez de extinta, proliferaram a partir daí, em escalada espiral, as ações no âmbito criminal contra jornalistas. Como estas enfrentam mais barreiras para prosperar, grande parte migrou também para a área cível, aproveitando-se até dos Juizados Especiais. Estava criado o ambiente para o assédio judicial a jornalistas.

Se a esfera do direito de resposta foi bem resolvida com a Lei 13.188/2015, as demais áreas continuaram dependentes da interpretação de cada juiz de primeira instância, de seu entendimento da defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, previstas na Constituição, e da garantia das liberdades individuais, como a defesa da honra e o direito de imagem. O resultado, já se sabe, foi uma enxurrada de ações contra jornalistas. Os grandes meios de comunicação têm como se defender, mas os jornalistas independentes, que proliferaram com o avanço da internet, têm muita dificuldade para enfrentar uma perseguição sem trégua, cujo objetivo implícito é calar o jornalista e suas denúncias.

A raiz desse assédio judicial está na ausência de parâmetros para definir quando a liberdade de imprensa viola os direitos individuais, o que resulta em ações com condenações que não se justificam; indenizações desproporcionais que levam à asfixia financeira de pequenos veículos de comunicação, como blogs e sites jornalísticos independentes; multiplicidade de ações com o mesmo objeto contra um mesmo profissional ou órgão de imprensa; e por aí vai.

No fundo, esse tipo de ação pretende apenas “constranger o jornalista, inviabilizar o exercício profissional e cercear o debate público”, como observou Fred Ghedini, presidente da APJor. “A falta de ordenamento gerou a figura do assédio judicial”, disse ele, ao defender a necessidade de se aprovar uma nova Lei de Imprensa, democrática e adequada aos tempos atuais, que garanta a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o exercício profissional.

Os advogados que participaram da roda de conversa concordam. Acreditam que a proposta ao Congresso Nacional de uma nova Lei de Imprensa, que resulte de um debate público amplo e democrático, seria fundamental para a garantia das liberdades constitucionais de expressão e de imprensa, essenciais para o Estado de Direito.

* Lia Ribeiro Dias é jornalista associada à APJor

Para saber mais:

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Vítimas do assédio judicial

APJor

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A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.