Por Leda Beck*
Em recurso a decisões que perdera em primeira e segunda instância, a defesa do presidente da República alegou “liberdade de expressão”. Jair Bolsonaro fora processado pela repórter Bianca Santana por proferir deslavadas mentiras sobre ela em suas redes sociais. No Congresso Nacional, o deputado Orlando Silva (PCdoB) acaba de incluir no seu projeto de lei contra as fake news uma vergonhosa exceção: o novo artigo praticamente libera parlamentares de qualquer punição em caso de difusão de mentiras pelas redes sociais. Deve ser para garantir a “liberdade de expressão” deles.
Tudo isso traz à mente Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda do regime nazista, que recomendava impor à população “o nosso vocabulário”. Um fenômeno muito semelhante vem ocorrendo no Brasil: as liberdades, a democracia e os direitos são alguns dos conceitos a que o regime bolsonarista tem imposto uma distorção deliberada de seus significados originais. Essa novilíngua acaba influenciando também os poderes da República, inclusive o Judiciário – e os jornalistas têm pagado caro por isso, como demonstra o Dossiê APJor do Assédio Judicial a Jornalistas.
Além de distribuir bons dicionários, o que mais se pode fazer a respeito? Com a Escola de Magistratura do Tribunal Regional Federal da 3ª região (EMAG) e com o grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade (JDL), da USP, a APJor organizou um seminário na série “Desnudando…”, que a EMAG vem promovendo já há algum tempo. Desta vez, o tema “desnudado” foram as liberdades de comunicação. Três encontros de duas horas de duração, em 17, 18 e 19 de novembro, reuniram jornalistas, pesquisadores e operadores do Direito num curso dirigido principalmente a juízes de primeira instância.
Participantes
Sob a direção de Therezinha Cazerta, presidente da EMAG, e com a mediação de desembargadores do TRF-3, cada dia tratou de um tema: liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade de informação. Cada dia também foi precedido pela exibição de vídeos pré-gravados por alguns dos jornalistas assediados judicialmente: João Paulo Cuenca, Rubens Valente, Luís Nassif, Juca Kfouri e Alex Silveira.
No dia 17, falaram Guilherme Canela, que coordena a área de liberdade de expressão e segurança de jornalistas na sede da Unesco em Paris; e o desembargador André Gustavo Corrêa Andrade, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, um especialista justamente em liberdade de expressão. Os debatedores foram a desembargadora Inês Prado Soares, do TRF-3, e Guilherme Varella, consultor da ONG Artigo 19, que focou na liberdade de expressão artística. A mediadora foi Laura Mattos, pesquisadora do JDL e jornalista da Folha.
No dia 18, os expositores foram a vice-presidente da APJor, que apresentou o Dossiê APJor do Assédio Judicial a Jornalistas, e o jurista Cláudio de Souza Neto, autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e da Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF), apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) em maio pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com a APJor como amicus curiae. A advogada Thaís Gasparian, da Comissão Especial de Defesa da Liberdade de Expressão da OAB, e o jornalista e professor Eugênio Bucci, da Escola de Comunicação e Artes da USP e do JDL, foram os debatedores. O mediador foi o desembargador Carlos Eduardo Delgado, do TRF-3.
Finalmente, no dia 19, sob o tema da liberdade de informação, falaram o professor Ricardo Campos, da Universidade Goethe, de Frankfurt, na Alemanha, um estudioso da área, e a professora Esther Rizzi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Para debater, estavam presentes o coordenador do JDL, Vítor Blotta, e uma pesquisadora do mesmo grupo, Magaly Prado. O mediador foi o desembargador Paulo Fontes, do TRF-3.
* Leda Beck é jornalista e vice-presidente da APJor.
Para saber mais:
Vídeos do seminário Desnudando as Liberdades de Comunicação:
- Liberdade de Expressão: deveres de proteção e exceções (no minuto 8’36” está a intervenção do presidente da APJor na abertura do evento)
- Liberdade de Imprensa: deveres de crítica e informação vs. direitos da personalidade (no minuto 18’50’ está a exposição da vice-presidente da APJor, seguida pela exposição do jurista Cláudio de Souza Neto)
- Liberdade de Informação: direito à informação vs. desinformação (a exposição de Vítor Blotta, coordenador do JDL-USP, está em 1h10’59”)
APJor entra no STF como amicus curiae em duas ações propostas pela ABI
Vídeo da Unesco sobre os limites legítimos da liberdade de expressão
Artigo de Carol Proner, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), sobre a instrumentalização do Judiciário contra o Estado de Direito: Há método na afetação de Sérgio Moro