PL das fake news

Os perigos que rondam os jornalistas no PL das fake news

Estela Aranha, advogada e presidente da Comissão de Proteção de Dados da OAB do RJ explica, em entrevista a Cibele Buoro, da APJor, os danos que o rastreamento das informações e a exclusão imediata de conteúdos, além do escrutínio feito por policiais, podem causar aos jornalistas

Por Cibele Buoro*

Três dos trinta e seis artigos do Projeto de Lei contra as fake news soam como ameaças ao trabalho da imprensa, alerta a advogada e presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB do Rio de Janeiro, Estela Aranha.

Em entrevista à APJjor Estela diz que, se a versão aprovada no Senado for chancelada pela Câmara dos Deputados, subiremos um degrau rumo à violação da presunção de inocência, na normalização da vigilância sobre a privacidade de comunicação das pessoas e nas restrições à liberdade de imprensa.

Um destes artigos, o de número 10, prevê que as mensagens encaminhadas para cinco grupos de whatsapp e visualizadas por mil pessoas no prazo de 15 dias serão rastreadas com a finalidade de reconstruir a cadeia de viralização e identificar quem deu origem à mensagem. Se alguém organizar uma convocação pelas redes sociais, ou divulgar qualquer notícia de interesse público, é muito provável que essa postagem viralizará e será enquadrada como suspeita, explica a advogada. “O rastreamento prejudica a liberdade de organização da sociedade”.

Outro aspecto do artigo 10 que merece atenção é o armazenamento das mensagens pela empresa de aplicativo. Como não é possível prever qual mensagem poderá viralizar, o PL determina que o whatsapp capture e registre todas as comunicações dos cidadãos.

Todos são suspeitos

“A criptografia das mensagens, que existe para garantir a privacidade das pessoas, cai por terra, porque uma identidade é vinculada aos metadados de comunicação”, diz Estela. “A política de proteção de dados e privacidade vigente hoje no país prevê o registro mínimo de informações das pessoas, o inverso que a lei das fake news propõe”.

Além de violar a privacidade, afirma Estela, o PL transforma todos os usuários da rede em suspeitos quando passa a armazenar suas comunicações. Além do risco para a presunção de inocência, o que mais preocupa a advogada é a normalização deste mecanismo de vigilância. “Tratar todos os usuários como suspeitos cria a lógica da vigilância e para mim, aceitá-la, é a chave para permitir que outros meios de invasão de privacidade se estabeleçam”.

Para os jornalistas, que são produtores de conteúdo e têm a liberdade de expressão como pressuposto, a vigilância em massa das comunicações passa a ser um ponto de atenção, avalia a advogada.

O segundo artigo que pode limitar a liberdade de expressão e ser prejudicial ao trabalho dos jornalistas é o parágrafo 2º do artigo 12, que permite aos provedores retirarem da internet sem notificação prévia, conteúdos considerados de dano imediato e de difícil reparação. Qualquer pessoa citada na reportagem do jornalista pode alegar dano de difícil reparação ao provedor e, dessa forma, o conteúdo ser indisponibilizado. “Para crimes contra a honra já existe pena, o que torna esse artigo desnecessário”.

Bota autoritária, o maior perigo

Contudo, é o artigo 26 que Estela entende como o mais perigoso de todos por prever a formação de um conselho de transparência e responsabilidade na internet para propor um código de conduta e guia de boas práticas. Segundo a advogada, trata-se de um conselho para impor regras, o que significa limitar a atuação dos usuários e também dos jornalistas.

Outro aspecto desse artigo, considerado por Estela como “complicadíssimo”, é o que trata dos membros desse conselho. Entre eles estão um representante do departamento da Polícia Federal e um representante do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil.

Quando um conselho toma a vez da imprensa se autorregular, é preocupante, diz Estela. As condições de trabalho para os profissionais da imprensa e para os usuários das redes, como os jornalistas independentes, se agravam com os membros da polícia controlando os conteúdos que circulam na internet e definindo o que são boas práticas de conduta nas plataformas digitais, diz a advogada.

“O crime é uma exceção na comunicação, um desvio de conduta previsto no sistema legal e por isso não podemos considerar normal a polícia se envolver no regulamento das práticas na internet”. Continua ela: “O padrão na internet é uma comunicação que não seja previamente criminalizada, suspeita e danosa. Mais uma vez, esse artigo é nocivo para a presunção de inocência e impõe mais uma bota autoritária na liberdade de expressão e na privacidade”.

*Cibele Buoro é jornalista e associada da APJor

Foto: Martin Lopez, no Pexels

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