CBJA

O desmonte do aparato ambiental brasileiro e o papel crucial do jornalismo

Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental recebeu 400 pessoas e discutiu, durante dois dias, a importância do jornalismo para denunciar, vigiar e preservar a voz dos ambientalistas brasileiros, que enfrentam sua maior crise

Por Celso Bacarji

Já está claro, para quem tem olhos, que o movimento ambientalista é alvo prioritário do governo de extrema direita que assola o País. Todo o arcabouço de instituições, o moderno aparato jurídico e os importantes avanços da tecnologia ambiental que o Brasil vem construindo desde os anos 70 estão descendo pelo ralo. E o Jornalismo Ambiental vai junto, se não houver uma reação adequada por parte dos próprios jornalistas.

Foi isso que vimos e ouvimos durante todo o Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, organizado pelo Instituto Envolverde e pela Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA), nos dias 9 e 10 de agosto de 2019 em São Paulo. Havia uma preocupação e uma indignação profunda das pessoas em relação ao que vem acontecendo no Brasil nessa área.

Ficou clara a urgência de discutir os papéis da imprensa e fortalecer as redes para enfrentar a crise vivida pelo ambientalismo brasileiro.

Papel crucial do Jornalismo

Ironicamente, o cenário pessimista não tirou a motivação dos jornalistas ambientais diante dos desafios, agora muito maiores, a julgar pelos debates e falas emocionadas que aconteceram no Congresso. Já na mesa de abertura, os representantes de diversas entidades ligadas ao jornalismo falaram quase em coro sobre as atuais dificuldades da profissão.

No entanto, o discurso em nenhum momento teve o tom pessimista. Pelo contrário, o clima foi mais de desafio, de conscientização sobre o papel do jornalismo nesse momento crucial e da necessidade de união. O jornalismo nunca foi tão atacado, mas também nunca teve tantos recursos à sua disposição, destacou o jornalista Dal Marcondes, presidente da RBJA, na abertura do Congresso.

Foram vários os relatos de ameaças e perseguições, especialmente nas fronteiras da ocupação da Amazônia, onde a pecuária, o garimpo, a mineração, a exploração de madeira e a grilagem receberam carta branca para expulsar os povos originais e desmatar. Como informou a jornalista Maria Inês Zanchetta, editora do Instituto Socioambiental (ISA), “militantes ambientalistas estão sendo demonizados e perseguidos em toda a Amazônia”.

Os riscos da profissão cresceram de tal forma que o presidente da APJor, jornalista Fred Ghedini, fez um apelo aos representantes das entidades participantes de mesa, para uma união de todos em favor da Rede de Proteção aos Jornalistas, que começou a ser articulada por algumas entidades, entre elas o Instituto Vladimir Herzog, mas que, até o momento, ainda não deslanchou.

A saída é “comer o Bolsonaro”

Para Maria Inês, os ambientalistas e os jornalistas precisam perceber que há ‘uma estratégia de desmonte” por trás do ataque do governo Bolsonaro às políticas ambientais brasileiras, o que exige uma reação também estratégica, capaz de fazer frente aos recursos “nada ortodoxos” de comunicação que a direita radical vem utilizando em todo o mundo.

“Precisamos comer o Bolsonaro”, sugeriu alguém, fazendo referência à tradição de alguns povos indígenas, que comiam seus adversários para adquirir seus poderes. A piada arrancou gargalhadas, mas a metáfora fez sentido no contexto do debate. “A esquerda não sabe fazer memes”, exemplificou outro participante do debate, ilustrando a forma primária com que a esquerda vem rebatendo as campanhas diversionistas e de contra informação dos bolsonaristas.

O repórter André Trigueiro, estrela do jornalismo ambiental da Globo, discursou inflamado sobre a necessidade de termos foco e método no trabalho de resistência, sem se restringir à exposição das tragédias, mas também nas suas consequências para todo o contexto social e ambiental, e nas suas causas. “Um dia, no futuro, cobrarão o nosso posicionamento agora. De que lado estamos?”, alertou.

E a pauta, qual é, agora?

O clima de engajamento cobrado pelos mais de 50 palestrantes fez eco junto aos mais de 400 participantes, a maioria jornalistas e estudantes de jornalismo. Nas rodas de conversa, formais e informais, as perguntas e os comentários eram sobre o quê ou como fazer o jornalismo ambiental nesse momento. Para Dal Marcondes, o evento “deu um alento”. “As pessoas estão se mexendo, propondo alternativas, discutindo e debatendo de forma propositiva, dentro o espírito da chamada do Encontro, de resistência e resiliência. Foi o Congresso da retomada da mobilização dos jornalistas”, afirmou.

Outra tendência observada no evento foi a de intensificação do trabalho em rede. As próprias instituições ambientais presentes perceberam e enfatizaram a necessidade de uma aproximação com os profissionais do jornalismo. São as ONGs, os institutos e os militantes do ambientalismo que precisam não só “passar a pauta para os jornalistas”, como também orientá-los sobre os caminhos mais seguros a seguir, em suas investigações. Estes, por sua vez, precisam aproveitar sua expertise para dar suporte a essas instituições na hora de gerar informações.

A hora de bons projetos

O jornalismo ambiental nunca foi uma área farta de recursos. Mesmo as editorias de meio ambiente dos grandes veículos sempre atuaram com pouco investimento. Hoje, essa realidade não é diferente, senão pior, considerando que a atividade está frente a uma encruzilhada cruel de crises: a econômica, que já se arrasta desde 2015; a crise do movimento ambiental, que enfrenta uma campanha difamatória e de descrédito sem precedentes por parte do atual governo, e a crise do próprio jornalismo, que conhecemos muito bem.

De acordo com o organizador do encontro, Dal Marcondes, uma das saídas pode estar no empreendedorismo, tema que foi debatido em algumas das rodas de conversas do CBJA. Para ele, as fontes internas de recursos podem se tornar mais difíceis nesse momento, mas é preciso olhar para as fontes externas que, com certeza, estarão mais preocupadas com os destinos do meio ambiente brasileiro.

No entanto, o empreendedorismo no jornalismo ainda é um caminho que não foi totalmente desbravado. Muitas experiências estão em andamento, mas nenhuma está estabilizada, e muitas que pareciam promissoras acabaram em nada. O que se observa é que as iniciativas mais bem planejadas, inclusive na captação de recursos, são as que mais prosperam. Para a maioria dos empreendedores presentes, como sempre, é preciso ter um bom projeto e saber vendê-lo aos investidores, para ter sucesso em negócios no segmento de jornalismo digital.

*Celso Bacarji é jornalista e associado da APJor

Publicado originalmente no site da APJor em 20 de agosto de 2019

1430 acessos até 11/05/2020

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A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.