Por Antônio Graça*
No jornalismo, trabalhar sob pressão do tempo faz parte do jogo. Até porque notícia é um produto altamente perecível que, se não for oferecido rapidamente ao leitor, perde a validade. Mas se costuma dizer entre jornalistas que é mesmo sob pressão que eles trabalham melhor. Pode até ser que sim. No entanto, quando há mais tempo para produzir suas reportagens, com mais amplitude, profundidade e contextualização, o resultado também pode ser excelente. O livro Tormenta, sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro, da jornalista Thaís Oyama, é um bom exemplo nesse sentido.
Lançamento recente, o livro mostra, a partir de uma rigorosa apuração, como opera o governo Bolsonaro, especialmente nos seus bastidores, nos quais as forças e tendências se digladiam numa guerra incessante e feroz pelo poder. Gera-se, com tal mecanismo, uma sucessão espantosa de crises, improvisos, desmandos e desatinos.
Oyama revela como os filhos do presidente atuam como ministros plenipotenciários, conspirando contra seus oponentes e decidindo nomeações e demissões no primeiro escalão. Tudo numa linguagem grosseira, frequentemente marcada por termos chulos e temperadas por piadas preconceituosas e de mau gosto em conversas e declarações.
Violência
A violência e o desrespeito ao protocolo que deve reger as relações entre chefes e subordinados são outra marca do governo. A demissão de Gustavo Bebianno, correligionário de primeira hora de Bolsonaro, do cargo de ministro da Secretaria Geral da Presidência é um exemplo notável. O então ministro tinha uma relação conflituosa com Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente. E, como revela a reportagem, a razão era o ciúme violento que, segundo o ex-ministro, o filho nutre porque quem quer que se aproxime do ex-capitão.
A jornalista conta que, numa conversa no gabinete presidencial, Bebianno queixou-se. “Estou sendo achincalhado nas redes sociais com o apoio do senhor”, disse ao presidente. Bolsonaro murmurou algumas frases irritadas e foi subindo o tom, até que, fitando o ministro pela primeira vez nos olhos, disse-lhe raivoso: “Você tramou contra o Flávio (Bolsonaro)”. Acusou o ex-ministro de tentar se aproveitar do caso Queiroz para que Flávio perdesse o mandato de senador.
A demissão foi concluída com uma ordem para o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni: “Vamos acabar com isso logo, põe ele naquele lugar de uma vez”. Constrangido, Lorenzoni disse a Bebianno: “Pensamos que seria melhor você dar um tempo na direção da Itaipu”, disse.
O episódio é um dos muitos que revelam o perfil e o estio de governar do presidente. Ele é intempestivo, agressivo, quando não violento, e desrespeitoso com os subordinados.
Guinadas atrás de guinadas
Oyama conta que foi Bebianno que costurou a entrada de Bolsonaro no PSL. “O processo da escolha do partido pelo qual o ex-capitão do Exército concorreria à Presidência foi uma mostra contundente do estilo Bolsonaro de tomar decisões: quando ele não resolve de supetão, pode demorar para fazer escolhas. “Quando afinal opta por um caminho, pode mudar em seguida, para logo depois retornar ao ponto inicial – e mais para a frente dar uma guinada e terminar onde ninguém imaginava que ele fosse parar”, conta a jornalista.
O livro traz também vários momentos dos ataques de Bolsonaro à imprensa, um dos seus alvos preferenciais. Como todo governante autoritário, odeia a imprensa e não consegue aceitar que fiscalizar o poder é parte de sua missão. Ele ataca veículos e profissionais, inclusive com ofensas pessoais.
Quando soube da publicação do livro Tormenta, por exemplo, deu uma declaração tão infundada quanto preconceituosa e ofensiva: “A nossa imprensa tem medo da verdade. Deturpam o tempo todo. Mentem descaradamente. Trabalham contra a democracia, como o livro dessa japonesa, que eu não sei o que faz no Brasil”. A jornalista é descendente de japoneses, mas é brasileira.
Apesar de todos esses desatinos e desmandos de um governo que opera em grande parte no limite da irresponsabilidade ou da loucura, sai-se da leitura desta reportagem com a sensação de que o Brasil e suas instituições são maiores e mais fortes que Bolsonaro e que sobreviverão à tormenta.
Serviço:
Título: Tormenta
Autor: Thaís Oyama
Editora: Companhia das Letras
Volume: 267 páginas
Preço: R$ 54,90
*Antônio Graça é jornalista, associado e colaborador da APJor
Publicado originalmente no site da APJor em 13 de fevereiro de 2020
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