Por Antônio Graça*
“A principal batalha dos jornalistas hoje nos Estados Unidos é convencer o público de que somos confiáveis, que estamos dizendo a verdade e que não somos inimigos das pessoas.”
A afirmação foi feita pela jornalista Jane Mayer em conferência no Festival Piauí de Jornalismo, realizado nos dias 5 e 6 de outubro em São Paulo.
Chefe da sucursal da revista New Yorker em Washington, ela falou sobre as dificuldades que os jornalistas enfrentam naquele país, onde o governo populista e autoritário de extrema direita de Donald Trump tenta deslegitimar a imprensa e apresentá-la com o inimigo do povo.
O painel teve a mediação de Malu Gaspar, da revista Piauí, e de André Petry, da plataforma Galápagos Newsmaking.
Ficou muito difícil
Segundo Jane, ficou muito difícil fazer a cobertura política, principalmente do poder executivo em Washington. “É verdade que nós nunca fomos benquistos pelas pessoas que cobrimos. Assim era com o presidente Richard Nixon e, também, com Barack Obama”, lembrou.
“Mas agora há uma escalada de violência. Nunca vi nada nem remotamente parecido com isso em minha carreira”, afirmou a jornalista, que cobre política desde 1980.
De acordo com Jane, a situação é tão grave que as medidas de proteção aos profissionais tiveram de ser redobradas, com a contratação de seguranças e blindagem de janelas nas redações.
“Embora a liberdade de imprensa nos Estados Unidos seja robusta, estamos caindo para a categoria de países problemáticos no ranking de algumas entidades”, observou.
Além disso, de acordo com Jane, atualmente existe uma percepção de que é preciso ter mais cuidado em proteger as fontes hoje do que no passado. “Com o aumento da violência contra a imprensa e suas fontes, várias delas, por exemplo, não querem dar informações por telefone”, contou.
“Inimigos do povo”
Em seu relato sobre as relações do governo Trump com a imprensa, Jane disse que o presidente passou a se referir aos repórteres como “inimigos do povo americano”, uma imputação que já foi feita por Stálin na União Soviética e por Mao Tsé-Tung na China.
“Trump tenta deslegitimar o trabalho da imprensa para fazer com que o público pense que ele é a única fonte da verdade”, disse.
Ela lembrou ainda que a imprensa não é a única instituição atacada pelo presidente norte-americano. “A ciência, o judiciário independente e todos os que dizem o que ele não quer ouvir também são seus alvos. O padrão dele é deslegitimar todas as fontes de informação e poder”, afirmou.
“É preciso filtrar”
Indagada sobre se a imprensa não deveria filtrar mais as declarações e não divulgar tudo que fala o presidente, Jane disse que isso é um dilema para a imprensa. “Temos que informar, mas não sou adepta da estenografia, de colocar no jornal tudo o que ele diz, ipsis litteris. É preciso, sim, filtrar”, ponderou.
Segundo ela, os jornalistas são treinados para ser cuidadosos e buscar a verdade. “Mas passamos boa parte do tempo corrigindo as mentiras do presidente. Quando conseguimos, enfim, comprovar ou desmentir uma alegação, Trump já fez outras cinco declarações questionáveis.
“Estamos sempre correndo atrás dele.” Para Jane, uma solução para evitar isso seria não dar visibilidade indevida às declarações do presidente. “Ele vive de atenção”, disse.
Murdoch
Outro tema abordado por Jane foi a relação do canal de notícias Fox News, de Rupert Murdoch, com o governo Trump. “A Casa Branca e a Fox News interagem tão bem que às vezes é difícil determinar quem está seguindo quem”, afirmou.
Segundo ela, a Fox é hoje uma TV estatal norte-americana, que se tornou porta-voz dos radicais de direita nos Estados Unidos. Para Jane, as oligarquias e autocracias aprenderam a manipular o medo e a raiva dos eleitores. “A Fox ganha muito dinheiro com a monetização do medo”, afirmou.
*Antonio Graça é jornalista, associado e colaborador da APJor
Publicado: 10 de outubro 2019
Acessos: 1.584 acessos até 10/05/2020