Por Celso Bacarji
Mais uma tentativa de cercear a liberdade de imprensa foi rechaçada pela Justiça de São Paulo na ação de indenização por danos morais movida pelo presidente da Associação Paulista de Imprensa (API), o advogado Sérgio de Azevedo Redó, contra os jornalistas Pedro Nastri e Edna Santos por conta de matérias que denunciavam gestão fraudulenta e dilapidação de patrimônio material e cultural da entidade.
A ação de Redó é o desdobramento de uma série de conflitos ocorridos no âmbito da API a partir de 2012, quando Nastri pediu desligamento do cargo de conselheiro da entidade, acusando a gestão de Redó de fraudes e de “crime contra o patrimônio histórico e cultural do Brasil”.
Na época, entre outras denúncias, Nastri acusou Redó de jogar numa caçamba de lixo os originais de escritores famosos como Guilherme de Almeida, Monteiro Lobato, Menotti Del Picchia e Cásper Libero, entre outras obras de arte, como quadros, retratos e gravuras. “Ele cometeu um crime contra o patrimônio histórico e cultural do Brasil e tem de ser punido por isso”, assegurou.
Nastri denunciou também fraude no processo da eleição que levou o advogado à presidência da API. Redó teria manipulado ilegalmente o estatuto da entidade para reeleger-se, estatuto este que sequer foi registrado em cartório, o que torna nula a eleição. O jornalista Pedro Nastri e o grupo que o apoiava chegaram a ganhar na justiça o comando provisório da entidade, mas em dois dias a liminar foi derrubada e Redó voltou a assumir a presidência.
A jornalista Edna Santos, que era então assessora de imprensa da API, endossou as denúncias de Nastri, publicando-as em seu blog. O caso ganhou as redes sociais e outras publicações também repercutiram. Redó reagiu processando os dois jornalistas por danos morais e pedindo a retirada das matérias nos sites, blogs e redes sociais em que foram veiculadas. Alegou “abuso do direito de liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento”.
Direito à informação
Já na primeira instância, a juíza Fernanda Soares Fialdini, da 13ª Vara Cível de São Paulo, julgou a ação improcedente, invocando, em favor dos réus, o princípio da “plena liberdade de manifestação do pensamento, de expressão e de informação jornalística”, previsto no artigo 220 da Constituição Federal. A magistrada sequer ouviu Redó antes de emitir sua sentença, utilizando-se do recurso de “julgamento antecipado da lide”, conforme o jargão jurídico.
Inconformado, o presidente da API apelou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que confirmou a sentença da primeira instância, em decisão proferida no dia 28 de maio de 2021. O parecer do relator, desembargador José Joaquim dos Santos, foi seguido pelos desembargadores Álvaro Passos (presidente) e Giffoni Ferreira, membros da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal.
Em seu voto, o relator do processo produziu uma peça valiosa para a defesa da liberdade de imprensa, especialmente diante da enxurrada de casos de assédio judicial endossados por magistrados contra jornalistas, nos últimos anos.
Pessoa pública
Quase didático, o desembargador deixa claro em seu voto que os limites da liberdade de imprensa só podem ser estabelecidos a partir da própria Constituição. O direito de resposta e as indenizações por dano, seja material ou moral, são concedidos somente quando for comprovada a violação de direitos constitucionais, como “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, destaca o magistrado.
Para dirimir tal conflito, diz ele, um dos direitos fundamentais deve prevalecer: “Cabe, pois, analisar se, no exercício do livre direito de informação e comunicação por parte dos réus, ora apelados, houve abuso ou não. Negativa é a resposta”. No entender do Tribunal, Redó, como presidente da API, é pessoa pública, portanto, “colocada sob maior escrutínio da sociedade” e, como tal, “tem mitigada sua esfera de proteção à intimidade, consoante farta jurisprudência a respeito do tema”.
Em trecho conclusivo do seu voto, o relator destaca que as críticas dos jornalistas, mesmo incisivas, estão amparadas pelo direito do livre exercício do jornalismo: “…conquanto não se ignore que os apelados tenham realizado críticas incisivas à pessoa do apelante, (…) verifica-se que tais comentários ainda se inserem no âmbito da liberdade de manifestação do pensamento, um dos fundamentos da sociedade democrática que se funda no pluralismo de ideias e opiniões.”
* Celso Bacarji é jornalista e associado da APJor
Para saber mais:
Caso API x Pedro Nastri – Acórdão e voto do relator
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