Livro faz um mergulho na crise do jornalismo atual

Livro faz um mergulho na crise do jornalismo atual

"A Tempestade Perfeita" é uma coletânea de ensaios de sete experientes jornalistas brasileiros que analisa as questões enfrentadas pela imprensa atualmente. Os textos contemplam desde a crise editorial e financeira até os desafios dos modelos de negócios digitais. Veja na resenha de Antônio Graça

Por Antônio Graça*

Constituído por sete ensaios de experientes jornalistas, o recém-lançado Tempestade perfeita é uma imersão com extraordinária profundidade de informação e análise sobre questões enfrentadas pela imprensa atualmente.

Com a curadoria e apresentação do jornalista Roberto Feith, responsável pelo selo de não-ficção “História Real” da Editora Intrínseca, a coletânea reúne textos de Caio Túlio Costa, Cristina Tardáguila, Luciana Barreto, Helena Celestino, Marina Amaral, Merval Pereira e Pedro Bial, todos com raízes firmemente fincadas na chamada “grande imprensa” brasileira, da Folha de S. Paulo à CNN, da Rede Globo ao Estadão.

A crise é mesmo enorme e sem precedentes, como demonstram os números. O New York Times faturou US$ 3,5 bilhões em 2000, mas apenas US$ 1,8 bilhão em 2019. Já o Google, que em 1998 obteve uma receita de US$ 86 milhões, faturou em 2020 US$ 182,5 bilhões. No mesmo ano, o Facebook, com apenas 15 anos de vida, chegou a US$ 86 bilhões.

Cinco crises

Mas o problema não é apenas econômico. No entender de Caio Túlio Costa, por exemplo, o jornalismo enfrenta seu pior momento em mais de cinco séculos de vida. Nas palavras de Costa, dificuldades jamais imaginadas apresentam-se todas juntas e simultaneamente concertadas em ao menos cinco crises diferentes:

  • crise sistêmica do modelo tradicional de negócio em todo o planeta;
  • crise econômica, que aumenta ou diminui conforme o andar do tempo, mas enxuga ainda mais as parcas receitas publicitárias que sobraram para os veículos de imprensa;
  • crise da perda de seu papel de protagonista da informação, que tirou do jornalista o lugar de ator principal na produção de notícias e o escanteou para a posição de ator coadjuvante, uma vez que as pessoas, as instituições e as marcas ganharam poder de mídia com a internet e, principalmente, com as redes sociais;
  • crise geracional, que opõe nativos analógicos a nativos digitais tanto no comando das redações como nas estratégias de conquista do público jovem; e
  • crise tópica de credibilidade, provocada pelos duros ataques de autoridades e indivíduos às publicações.

Já no ensaio “Desinformação e fact-checking”, a jornalista Cristina Tardáguila, fundadora da Agência Lupa, primeira organização especializada em checagem no Brasil, dá uma panorâmica sobre um tema que hoje é central nas redações: a crescente necessidade de verificar informações diante da epidemia de fake news.

Tardáguila traça um histórico detalhado de como nasceram e estão se consolidando as empresas checadoras de fatos. Com rigor conceitual, ela explica, por exemplo, que fact-checking “não é só checagem de fatos [ou] verificação do discurso”: “É tudo isso junto e misturado – de preferência ao vivo e quase sempre enfrentando algum tipo de militância. É a análise não só de frases, mas  também de fotos, vídeos, áudios, memes e infográficos”.

Ela revela que fact-checking não é um movimento novo, ligado à popularização das redes sociais. Em 1992, escreveu, “mais da metade dos grandes jornais dos Estados Unidos publicaram pelo menos um texto checando conteúdos divulgados em anúncios de campanhas eleitorais”.

Outras três jornalistas – Luciana Barreto, Marina Amaral e Helena Celestino – produziram ensaios sobre temas relacionados a preconceito e discriminação nas redações, ou seja, a reduzida presença de jornalistas que não sejam homens, brancos e de classe média.

Consenso na democracia

Sai-se da leitura deste livro com a convicção de que a crise do jornalismo é  ampla, profunda e de difícil solução. A boa notícia é que, diante de uma crise  dessas dimensões, o jornalismo não está inerte. Sitiado por uma avalanche de fake news, minado pela perda de publicidade para as plataformas digitais e fustigado pelo ataque do populismo redivivo, ele reage, diz Robert Feith, que escreveu a apresentação do livro: “…corre atrás, busca novos modelos, tenta se renovar, ciente de que é uma das instituições fundamentais na sociedade democrática”.

De acordo com o jornalista, um importante exemplo nesse sentido foi a decisão das redes de TV estadunidenses de cortar a fala do ex-presidente Donald Trump na noite da eleição que levou Joe Biden à Casa Branca. “As TVs se recusaram a transmitir o discurso de Trump, porque ele alardeava uma monumental mentira”, explica Feith. “Sem a mais tênue base factual, o então presidente dos EUA declarou que havia vencido de lavada uma eleição que perdeu por 8 milhões de votos e larga margem no Colégio Eleitoral. Como fez em outras ocasiões, quando os fatos não se encaixavam à sua vontade, inventou ‘fatos’ alternativos.”

É um excelente exemplo de que a imprensa enfrenta sérias adversidades, mas não está derrotada. No entender de outro ensaísta, Merval Pereira, o papel do jornalismo profissional nesse cenário é cada vez mais fundamental, a começar pela defesa da democracia. “É o jornalismo, seja em que plataforma se apresente, que continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático”, afirma.

*Antônio Graça é jornalista e associado da APJor

Seviço:

Livro: Tempestade Perfeita – Sete Visões da Crise do Jornalismo Profissional

Autor: Vários autores – Edição e apresentação Roberto Feith

Editora: Intrínseca (selo da coleção História Real)

Páginas: 368

Preço: Livro R$59,90 – E-book 29,90 – Vendas on-line

APJor

APJor

A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.