Deepfakes sofisticam desinformação e afetam trabalho do jornalista

Por Antônio Graça - Um passo além das “simples” notícias falsas, as falsificações profundas de imagens, quase perfeitas, desenham um quadro de ficção científica na vida real, atuando contra o jornalismo

Por Antônio Graça

O universo da desinformação está se expandindo e se tornando cada vez mais complexo e sofisticado. As fakenews (notícias falsas), por exemplo, agora têm uma segunda geração, as deepfakes (falsificações profundas), cujo potencial de estrago é ainda maior do que o da primeira versão, especialmente no âmbito do jornalismo.

São manipulações que usam avançados recursos tecnológicos, como a inteligência artificial (IA), para criar vídeos e áudios, combinados ou não, em que apresentam as pessoas fazendo ou dizendo algo que elas nunca fizeram ou disseram. As deepfakes podem ainda exibir imagens de pessoas que jamais existiram, a partir da fusão de rostos reais.

Pode parecer ficção científica. Mas já é uma realidade ‒ e assustadora. Numa reportagem sobre o assunto, o jornal Valor Econômico (caderno “Eu & fim de semana”, 24/5/2019) cita um exemplo que dá uma boa medida do poder dessa nova forma de manipulação. Trata-se de um vídeo em que Barack Obama aparece dizendo impropérios, como “Trump é um imbecil”. Tudo mentira, mas convincente.

Esta nova tecnologia da mentira foi um dos assuntos abordados no seminário “Desinformação, Antídotos e Tendências”, promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), em São Paulo, em 17 de outubro. Na palestra “Deepfakes: a última geração da desinformação”, Sam Gregory, tecnólogo, advogado especializado em novas formas de desinformação e diretor do programa Witness (ver baixo), afirmou que essa sofisticada forma de manipulação e falsificação da informação afeta particularmente o trabalho dos jornalistas.

Jorrando mentiras

“Os ataques à mídia já estão acontecendo. Há mangueiras de mentiras, jorrando textos, áudios e vídeos com dados falsos nas redações, que ficam sobrecarregadas com a necessidade crescente de checagem. Além disso, a verificação vai sendo cada vez mais dificultada. A desinformação também impacta a confiança do público, que se torna cético em relação à imprensa”, afirmou.

As previsões de Gregory são preocupantes. “A situação tende a piorar porque as tecnologias para produzir deepfakes serão cada vez mais fáceis de serem usadas e estarão mais acessíveis. Até num celular elas poderão ser geradas. Além disso, elas parecerão cada vez mais reais”, afirmou.

A situação é grave, segundo Gregory, e exige ações interdisciplinares e de várias instituições, especialmente da imprensa profissional, para combater a desinformação. “Mas não devemos entrar em pânico. Talvez só um pouco”, afirmou com um toque de humor.

Fim da verdade?

“As pessoas não devem ver deepfakes como o fim da verdade, mas precisam se preparar para enfrentar a nova onda de desinformação. E jornalistas, verificadores de fatos e ativistas são pontos centrais nessa tarefa”, afirmou.

De acordo com o palestrante, já existem ferramentas para detectar as deepfakes. É possível, por exemplo, autenticar imagens reais. A questão é colocar estas ferramentas em tempo real para todos os jornalistas e não apenas para os que estão em cargo de chefia.

Gregory afirmou que, nos últimos 18 meses, especialistas têm estudado em diferentes países os melhores caminhos para enfrentar as deepfakes, o que é possível fazer, quais são as ameaças e como proceder.

No Brasil, num workshop sobre a questão, foram elencadas como prioridades a alfabetização midiática ‒ inclusive do público ‒, a capacitação dos jornalistas e o monitoramento do ambiente de desinformação no âmbito das deepfakes.

Gregory destacou ainda a necessidade de plataformas, como Google, Facebook e WhatsApp, assumirem a sua parte de responsabilidade na guerra contra a desinformação em geral e especialmente contra as deepfakes. Por exemplo: elas devem criar sistemas e ferramentas para detectar e não publicar ‒ ou retirar de circulação ‒ os conteúdos falsos.

O presidente da ANJ, Marcelo Rech, por sua vez, afirmou, no discurso de abertura do seminário, que “a melhor maneira de controlar a infecção da desinformação é desenvolver anticorpos nos indivíduos e na sociedade”.

Segundo Rech, no longo prazo, o ideal é a educação para a mídia, para que as pessoas possam distinguir o falso do verdadeiro e entender as implicações de compartilharem conteúdos sem certificado de origem. “No curto prazo, porém, a vacina é valorizar e reconhecer o papel da imprensa profissional”, disse.

Epidemia

“Agora se avizinha outra ameaça, que é a desinformação 2.0 (de segunda geração). Ela vai exigir de todos nós novos remédios e tratamentos inovadores para enfrentarmos o que pode ser uma epidemia devastadora de falsidades”, acrescentou.

Rech advertiu, no entanto, para o perigo de se combater a desinformação com mais controle da informação, especialmente por parte dos governos. “O combate à desinformação deve ser feito sem garrotear a informação livre”, afirmou.

Entidades e iniciativas envolvidas no combate à desinformação:

WITNESS – Entidade que promove o uso de vídeo e tecnologia para defender os diretos humanos e promover o jornalismo cívico. https://www.witness.org/

First Draft – Organização dedicada a apoiar jornalistas, acadêmicos e tecnólogos que trabalham para enfrentar os desafios relacionados à confiança e à verdade na era digital. https://firstdraftnews.org/

Projeto Comprova – Coalizão de vários veículos brasileiros de comunicação que tem por objetivo identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. https://projetocomprova.com.br/

Além do Comprova, esta matéria do Tech Tudo traz mais sete alternativas de agências jornalísticas de checagem de informação.

*Antônio Graça é jornalista, associado e colaborador da APJor

Publicado: 23 de outubro de 2019
1.586 acessos até 08/05/2020

Foto: Witness

APJor

APJor

A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.