“É preciso lutar pela verdade, porque há uma guerra contra ela.”

Livro de jornalista norte-americano Jim Acosta, que cobre a Casa Branca, mostra que, em muitas partes do mundo, o papel do profissional de imprensa, na atualidade, vai além de fazer perguntas e contar a verdade. Veja na resenha de Antônio Graça, para o site da APJor

Por Antônio Graça

O livro “O Inimigo do povo”, do jornalista norte-americano Jim Acosta, recentemente lançado no Brasil, é uma relato dramático dos ataques à democracia promovidos pelo governo de Donald Trump e de sua tumultuada relação com a imprensa, instituição que ele odeia e contra a qual promove uma verdadeira cruzada, na tentativa de destruí-la.

Escrito numa linguagem ágil e coloquial e focado na narrativa dos fatos, o livro traz também comentários e análises que constituem valiosos subsídios para se compreender um dos momentos mais conturbados da vida política norte-americana, no qual a imprensa se vê afrontada como nunca foi na história dos Estados Unidos.

Acosta, que é repórter da CNN, esteve no centro de um dos episódios mais graves de tentativas de cercear o trabalho dos jornalistas. Foi em novembro de 2018, numa coletiva na Casa Branca. Trump irritou-se com suas perguntas sobre a orientação do governo contra a imigração e sobre a interferência russa nas eleições de 2016.

Uma estagiária interferiu para tirar o microfone do repórter, que foi acusado num tuíte da Casa Branca de ter agredido a estagiária, o que não aconteceu. Acosta teve sua credencial de acesso à sede governo retirada. Só foi devolvida por decisão judicial.

Apenas um exemplo

Segundo o jornalista, este é apenas um exemplo do modo de Trump de lidar com a imprensa, que ele tenta o tempo inteiro deslegitimar e apresentar como “o inimigo do povo” e disseminadora de fake news.

Na verdade, é o próprio presidente e seus assessores que produzem notícias falsas, como fez Sena Spicer, então secretário de imprensa da Casa Branca, quando disse sobre a cerimônia de posse: “Foi a maior plateia a testemunhar uma posse até hoje, tanto pessoalmente quanto no planeta inteiro”. Era tudo mentira.

O ódio à imprensa insuflado por Trump não é só retórica. Seus correligionários e colaboradores partem para todo tipo de ataque, agressões e ameaças aos jornalistas, os quais o presidente chama de desonestos, nojentos, mentirosos, escória, ladrões e sórdidos. O medo é crescente entre os profissionais e medidas de segurança têm de ser redobradas.

Ameaças de morte

Acosta afirma que depois do confronto com Trump na Casa Branca passou a receber ameaças de morte. “Pensei, pela primeira vez, que havia a possibilidade de alguém me matar, por eu fazer o meu trabalho”, conta. Por isso mesmo, o livro “O Inimigo do povo” tem como subtítulo a frase “Uma época perigosa para se dizer a verdade”.

Mas não apenas nos Estados Unidos que Trump tenta promover o ódio à imprensa e desacreditá-la. Com sua preferência por ditadores e políticos autoritários, como observa Costa, ele também apoia ações contra jornalistas em outros países.

Em 2017, por exemplo, encontrou-se com o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, outro autoritário que não gosta nem um pouco da imprensa. Depois dos discursos, repórteres tentaram fazer perguntas, mas foram ridicularizados. Trump deu boas risadas quando seu colega disse aos jornalistas: “Vocês são espiões”.

Acosta relata ainda que Duterte já chegou a endossar a ideia do assassinato de jornalistas, com uma declaração chocante: “Só pelo fato de ser jornalista, você não está livre de ser assassinado, se for um filho da puta”.

Tragicomédia política

O livro de Acosta cobre os dois primeiros anos do governo Trump. Mas traz também os bastidores de sua campanha, revelando uma trajetória política de fato inusitada, com lances de tragicomédia, em que o burlesco muitas vezes domina a cena, onde surge um personagem grotesco e rude, de linguagem grosseira e com inclinação para baixarias.

Num debate em 2016, por exemplo, ele fez referências elogiosas a ele mesmo ao sugerir que suas mãos grandes indicavam o tamanho de sua genitália.

Se é trágico ou cômico, ou uma combinação dos dois gêneros, o fato é que, como observa Acosta, a vida dos jornalistas que cobrem a Casa Branca hoje é também um pouco como estar vivendo um pesadelo, em que o absurdo se repete dia após dia.

Ele diz que sempre acreditou que seu trabalho é fazer perguntas para gente do governo e contar a verdade. Mas, depois da eleição de Trump, ficou claro que o dever da imprensa é ainda maior do que isso. Agora é preciso lutar pela verdade, porque há uma guerra contra ela.

 

Serviço:

Título: O inimigo do povo – uma época perigosa para dizer a verdade

Autor: Jim Acosta

Editora: Harper Collins

Volume: 380 páginas

Preço: R$ 54,90

 

*Antônio Graça é associado e colaborador do site da APJor
Publicado: 30 de outubro de 2019
1.476 até o dia 08/05/2020

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A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.