Por Antonio Graça*
Porque confronta os governos populistas e autoritários, sejam de direita ou de esquerda, porque mostra o que eles não querem que seja visto e dá voz às suas vítimas e à oposição, a imprensa independente está passando por um tremendo sufoco em países onde foram eleitos políticos com esta orientação. São os casos da Venezuela e da Polônia, como mostrou o painel “Jornalismo sob ataque – A imprensa na mira de governos autoritários”, realizado no sábado (29/6), no 14º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo.
Mediado por Rosenthal Calmon Alves, do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, o painel teve a participação das jornalistas Luz Mely Reyes, diretora do site Efecto Cocuyo, da Venezuela, e Marzena Suchan, editora-chefe do Onet, o maior jornal digital da Polônia.
Reyes iniciou sua exposição explicando que o nome do site Efecto Cocuyo tem origem numa expressão venezuelana em que cocuyo (vagalume) expressa o objetivo de fazer o “jornalismo que ilumina”. Criado há quatro anos, período em que a situação da imprensa na Venezuela se agravou, o site, segundo Reyes, foi uma forma de criar uma trincheira própria para resistir aos ataques e veicular as informações que estavam sendo negadas ao público.
Conforme a jornalista, o assédio à imprensa venezuelana se dá em duas frentes. A política, por meio da censura explícita, da ameaça aos jornalistas, para que se autocensurem, e da falta de transparência do governo. Na frente econômica, os veículos de oposição são comprados pelo próprio governo ou por meio de grupos empresariais aliados para reorientar a linha editorial a favor dos governantes.
Neste ambiente, Reyes entende ser cada vez mais necessário que os veículos de oposição façam alianças nacionais e internacionais para se apoiarem mutuamente. Além disso, os jornalistas, que segundo Luz, são mais vulneráveis do que creem, precisam buscar formas de se protegerem física, emocional e legalmente. “O aspecto emocional, muitas vezes não contemplado, é decisivo para que os jornalistas possam continuar a enfrentar a crescente quantidade e intensidade das ameaças contra eles e vencer o desafio para exercer a profissão”, afirmou.
Missão ou negócio
Na Polônia, onde a situação também começou a se agravar há quatro anos, com eleição de um governo autoritário de direita, a situação da imprensa é igualmente muito difícil. O serviço público de rádio e televisão polacos, por exemplo, foi transformado em veículo de propaganda do governo. Além disso, empresas do Estado tiraram toda a publicidade dos meios de comunicação que não se alinham com o governo.
Por outro lado, conforme relatou Suchan, as ameaças aos jornalistas, sobretudo nas redes sociais, crescem em número e violência. Há também vários parlamentares de extrema-direita que atacam duramente os jornalistas mais combativos, de uma forma que, segundo Suchan, beira a loucura. Tudo isso para tentar fazer com que se intimidem e se autocensurem.
Ela afirmou também que a volta da Polônia ao regime econômico de livre mercado foi positiva em muitos aspectos, mas também criou problemas na esfera da imprensa. “Para nós, jornalistas, o jornalismo é antes de tudo uma missão”, disse, ”mas é apenas um negócio para muitas empresas de mídia, o que termina por comprometer a qualidade da informação.”
Se a situação da imprensa é severamente adversa nesses países, os governos autoritários podem até sufocá-la momentaneamente, mas não vão conseguir destruí-la, segundo acredita a jornalista do Efecto Cocuyo. Para Reyes, a melhor forma de superar este momento é fazer mais e melhor jornalismo. “Nós não vamos ficar parados, vendo o nosso funeral passar”, afirmou. “Vamos continuar lutando.”
*Antonio Graça é jornalista, associado da APJor e acompanhou o congresso da Abraji
Publicado originalmente no site da APJor em julho de 2019
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