O jornalismo, enquanto prática profissional, tem mudado a forma de produzir e circular conteúdo nos últimos anos, com o surgimento de tecnologias que desafiam as chamadas redações tradicionais, principalmente aquelas ligadas aos veículos impressos.
Em meio a este cenário, a categoria tem assistido a uma onda de demissões em massa. Só em 2015, segundo o site comunique-se, ocorreram cerca de 1.400 demissões. Na lista de veículos que dispensaram jornalistas estão empresas como Folha de S. Paulo, o Globo, Band, ESPN, Correio Popular, Estadão, Editora Abril, entre outras.
Com cada vez menos empregos formais em veículos como esses, os jornalistas sofrem com redações enxutas, acumulando funções. Com essas turbulências, há jornalistas buscando caminhos fora das redações. Muitas delas têm bandeiras específicas, seja de direitos humanos, como é o caso da agência Pública e da agência Ponte, que se debruçam sobre os temas ligados aos direitos humanos e á segurança pública.
O jornalista Sergio Spagnuolo, que já passou por grandes redações, decidiu criar seu próprio empreendimento, a agência Volt Data Lab. Ele explica porque apostou nesse caminho:
Spagnuolo – “O Volt Data lab é uma agência de jornalismo de dados. A gente tem alguns clientes para os quais a gente faz matéria. O Volt começou como um blog meu no final de 2014. Era só uma coisa onde eu queria mexer com jornalismo de dados, já que eu já passei por algumas redações como Reuters, Media marketing, então eu sempre mexi muito com jornalismo financeiro, com dados, mas eu queria mesmo era mexer com jornalismo de dados. Em 2015 eu já comecei a tocar o Volt para ganhar dinheiro porque eu vi que havia mercado para jornalismo de dados e achei que pudesse me dedicar mais. E ainda freelo para complementar a renda”.
Atualmente o jornalista cursa uma especialização, nos Estados Unidos, na área de jornalismo e negócios, voltado para jornalistas que querem montar a própria empresa. Para ele, faz falta no meio jornalístico cursos com uma visão mais empreendedora.
Spagnuolo – “Esse é o primeiro curso, primeiro programa dedicado totalmente ao empreendedorismo para jornalistas aqui nos Estados Unidos. Não é uma aula de empreendedorismo que a gente tem uma vez por semana, é o curso inteiro dedicado a isso. Algumas pessoas daqui até ficaram bastante decepcionadas porque acharam que eles iriam fazer jornalismo aqui e isso não é um curso de jornalismo, é um curso de empreendedorismo para jornalistas; de gestão, mercado, marketing. A gente teve uma aula de News, de como, por exemplo, utilizar melhor a Newsletter. Então a gente não está fazendo jornalismo nenhum aqui, a gente está aprendendo a fazer negócio, “business” mesmo e eu acho legal, está bem proveitoso. O meu projeto está bem mais maduro agora e é uma coisa que falta no nosso meio né, o empreendedorismo puro para jornalista”.
O jornalista e professor da USP Eugênio Bucci concorda que há novos modelos de negócios surgindo e que a universidade precisa preparar os futuros jornalistas para empreender.
Bucci – “Curioso observar que no início do século XX as melhores propostas de formação de jornalistas e vale lembrar que essa formação não era vista como algo necessário pelos primeiros grandes magnatas da imprensa e pelas próprias universidades que achavam que isso não era um campo do saber, não requeria uma formação superior, os primeiros projetos e aqueles que de fato prosperaram eles não consideravam a administração, essa parte de negócios de gestão de pessoas como algo importante na formação do jornalista. De um tempo para cá, todo mundo reconhece que obviamente os jornalistas precisam entender disso, precisam ter uma informação sobre isso. E eu partilho dessa posição e também me envolvi nisso”.
Junto com o pesquisador Hamilton dos Santos, Bucci fez um estudo sobre gestão de negócios relacionados a jornalismo, que deve ser lançado em livro voltado para estudantes. Além da demanda por conhecimento sobre como empreender, ele também analisa que a formação do jornalista no Brasil precisa acompanhar mudanças como o uso de tecnologia que estão acontecendo no mercado.
Bucci – “O que eu percebo é que houve uma transformação muito grande no ensino do jornalismo fora do Brasil. Isso começou talvez nos anos 90 com a percepção de centros importantes de formação de jornalistas para o impacto que representariam as novas tecnologias. Isso levou a uma certa projeção de alguns centros de ensino de jornalismo. Eu destacaria Columbia, em Nova York, na Espanha a Universidade Navarra certamente e, ainda nos Estados Unidos talvez algumas experiências em Berkeley e aí surgiram instituições que não são de ensino, mas que começaram a aglutinar experiências que apontavam caminhos para a formação do jornalista. Uma delas na América Latina é aquela construída por Gabriel Garcia Marques ela se consagra como Fundación Nuevo Periodismo na Colombia, promove troca de ensinamentos entre jornalistas de vários países. Hoje em Columbia, por exemplo, que me parece o ponto mais avançado, existem instituições como Tall Center muito dedicado ao emprego de tecnologias da era digital no jornalismo e o centro Helen Brown que ela e o marido dela deixaram, uma aproximação entre a universidade Stanford e Columbia, de novo ligando o jornalismo e tecnologia. Isso mudou o cenário do ensino do jornalismo. O Brasil em relação a isso ficou relativamente atrasado, parte das escolas brasileiras ainda é muito atrasado em relação a essas experiências”.
Para Bucci um tipo de defasagem é o que ele chama de elaboração acadêmica do jornalismo, como a criação de categorias que limitam a formação.
Bucci – “Então se fala de jornalismo radiofônico, jornalismo impresso. Imagine, em algumas instituições existe a categoria de jornalismo impresso como se fosse diferente de jornalismo digital. Na verdade, qualquer redação hoje, mesmo no interior do Brasil, as pequenas publicações, a experiência do jornalismo digital acompanha o jornalismo impresso e o jornalismo impresso já não pode mais ser pensado como modalidade em relação às novas possibilidades de difusão. É uma outra marca distintiva dessa defasagem a que eu me refiro. Há mais algumas, por exemplo, as escolas brasileiras ainda pensam a assessoria de imprensa como uma especialização do jornalismo o que é um paradoxo, na verdade é uma espécie de monstrengo conceitual. Em nenhum outro centro de formação e de estudo jornalismo existe esse tipo de confusão. A assessoria de imprensa é uma atividade, a reportagem, o jornalismo, o jornalismos de opinião, é outro campo de atividade. Isso não significa no entanto que existam experiências positivas na formação do jornalismo. O caminho é promissor. Eu sou professor, gosto e pretendo continuar sendo professor. Acho que todos esses problemas são superáveis, mas o ensino mudou muito e a universidade brasileira está se atrasando em perceber as direções dessas mudanças”.