Jornalismo investigativo virou atividade de alto risco

Por Antonio Graça - Com o advento da era digital, proliferam as ameaças aos jornalistas, como relatam duas repórteres atacadas por celular e pelas redes sociais. Jurista recomenda rápida reação, com os instrumentos disponíveis

Por Antonio Graça*

O jornalismo, especialmente na sua modalidade investigativa, virou uma profissão de alto risco no Brasil e em vários outros países. É bem verdade que a imprensa nunca foi uma atividade exatamente confortável, porque faz parte de sua missão vigiar o governo e denunciar as mazelas dos poderosos, razão pela qual os jornalistas frequentemente são verbalmente atacados ou processados judicialmente. Mas agora está muito mais perigoso fazer jornalismo. Profissionais da imprensa estão sendo assediados nos meios digitais, injuriados, caluniados e difamados, quando não assassinados.

Esta foi a constatação do painel “Jornalismo sob ataque”, realizado na sexta-feira passada (28/6) no 14º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo. Participaram da mesa as jornalistas Constança Rezende, repórter do UOL e ex-Estadão; Patrícia Campos Mello, repórter da Folha de S. Paulo; o jurista e professor da USP Pierpaolo Bottini; e a mediadora Daniela Pinheiro, diretora de redação da Época.

Na raiz desse aumento da violência contra jornalistas, conforme se observou no painel, estão duas causas principais. Por um lado, e paradoxalmente, as tecnologias digitais, que tantos benefícios trouxeram para a comunicação de modo geral, mas que também permitem que as ameaças, difamações e calúnias se amplifiquem e se propaguem vertiginosamente em sites e redes sociais. De outro lado, está a emergência de governos populistas e autoritários em vários países, inclusive o Brasil, e os ataques às democracias liberais.

Constança Rezende contou como foi alvo de uma campanha difamatória incitada pelo presidente Jair Bolsonaro, por conta da cobertura que fez para o Estadão das investigações sobre as movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, ex-motorista do senador Flávio Bolsonaro. O presidente compartilhou notícias falsas de um portal de notícias, afirmando que a repórter teria admitido a intenção de atacar “o mandato e a família de Bolsonaro”, coisa que ela nunca disse e que mais tarde se comprovou que era mentira e manipulação..

“Minha vida virou de cabeça para baixo”, recordou a repórter. “Meu celular não parava de tocar, recebi várias mensagens com ameaças, inclusive de morte. O problema é que vivemos na época da pós-verdade, quando uma matéria, mesmo sendo fake news, viraliza e vira verdade.”

Patrícia Campos Mello, por sua vez, contou como sua vida também se tornou um inferno depois da publicação, em outubro do ano passado, da reportagem “Empresas bancam disparo de mensagens anti-PT nas redes”, na Folha de S. Paulo. A reportagem envolvia uma empresa que apoiava o então candidato à presidência Jair Bolsonaro. A jornalista lembrou como, logo depois da publicação da reportagem, passou a ser atacada e ameaçada por meio de telefonemas e nas redes sociais, onde também foram veiculados vídeos com manipulação de sua imagem. Ela apareceu, por exemplo, ao lado de Fernando Haddad, candidato do PT à presidência.

Campos Mello contou, ainda, que seu celular foi raqueado e que o WhatsApp dela recebeu mensagens pró-Bolsonaro. Informavam também que ela estaria em determinado evento e sugeriam que as pessoas fossem até o local para confrontá-la. No Facebook, recebeu a seguinte mensagem: “Sei que você tem um filho de sete anos. Se quer a segurança dele, saia do país”.

Após as narrativas das duas repórteres, Daniela Pinheiro perguntou ao jurista Bottini: “Como lidar com tudo isso?” Segundo ele, estamos diante de uma nova realidade de ataques ao jornalismo e a jornalistas e as instituições ainda não estão preparadas para lidar com ela.

“Se, antes, a estratégia para tentar inibir o jornalista era a censura e a repressão, as armas agora são digitais e muito mais sofisticadas”, explicou ele. O objetivo é fazer com que o jornalista pense quatro vezes antes de fazer uma denúncia.” Por isso mesmo, segundo ele, as redes de proteção devem ser cada vez mais profissionais, porque as ameaças vêm de pessoas também profissionais. Para Bottini, uma das coisas mais importantes diante de uma ameaça, em qualquer escala que seja, é reagir imediatamente.

“Aconteceu alguma coisa, vai à delegacia, faz um boletim de ocorrência, vai ao Ministério Público, pede para instaurar inquérito, procure instituições como a OAB”, recomendou. “Embora as formas atuais de ataque aos jornalistas sejam inusitadas e ainda não haja uma legislação específica para elas, é preciso lutar para ter proteção, mesmo que seja com as armas que temos no momento.”

*Antonio Graça é jornalista, associado e colaborador da APJor e acompanhou o congresso da Abraji

Publicado originalmente no site da APJor em 3 de julho de 2019
1.950 acessos até 8/5/2020

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A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.