Por Antônio Graça*
Contribuir para um jornalismo menos estereotipado, mais diverso e conectado com a realidade das periferias. Essa é missão da Agência Mural de Jornalismo das Periferias, segundo seu diretor de negócios, Anderson Meneses (foto), que já havia participado de uma Roda de Conversa da APJor em 12 de março deste ano.
Nesta entrevista à APJor, ele conta como a agência opera, especialmente em época de pandemia, que se tornou prioridade numa pauta que busca falar das necessidades e questões que envolvem infraestrutura e melhorias nas periferias.
Além de priorizar na pauta a Covid-19, a Agência adotou outras iniciativas importantes, como por exemplo participar da #CoronaNasPeriferias, “coligação de colaboração” com 79 organizações, de 14 cidades do Brasil com objetivos semelhantes aos da Agência Mural.
Na entrevista, Meneses explica que sua principal fonte são os moradores das periferias da Grande São Paulo que ela cobre “por meio de uma rede de correspondentes que nasceram e/ou residem nos bairros sobre os quais escrevem”.
APJor – Quais as peculiaridades de trabalhar, a partir de um veículo alternativo, a informação sobre o coronavírus para o público da periferia, tanto do ponto de vista do conteúdo quanto da linguagem?
Anderson Meneses – A nossa linha editorial não mudou, apenas a nossa prioridade em termos de pauta, como está no editorial “O vírus da desigualdade”. Além de falar das necessidades, infraestrutura e melhorias nas periferias, nós também contamos histórias que ninguém mais conta. Faz a diferença e são iniciativas de moradores. Nossa missão é contribuir para um jornalismo menos estereotipado, mais diverso e conectado com a realidade das periferias.
Desde o início da quarentena em São Paulo, mudamos nosso planejamento editorial para cobrir em tempo integral a crise da Covid-19 e seu impacto no contexto das periferias da região metropolitana de São Paulo.
Nós também temos produzido artes e infográficos sobre o coronavírus nas periferias para ilustrar as nossas reportagens e divulgá-las nas redes sociais.
Criamos um podcast diário (segunda a sexta-feira, exceto feriados e emendas de feriados) de 5 a 10 minutos de duração, chamado “Em Quarentena”. Os episódios são distribuídos gratuitamente por meio de uma lista de transmissão via WhatsApp (o principal canal utilizado no Brasil para a distribuição de notícias/propaganda falsas), no nosso site e no Spotify.
APJor – É preciso ter uma estratégia diferenciada em relação à grande imprensa? Se sim, qual é?
AM – Hoje não estamos nas ruas porque todos e todas estão seguindo as regras do isolamento social, mas cada correspondente sabe e mantém contato com outros moradores para seguir de perto como está a sua região.
Os muralistas, assim como nos chamamos, conversam com seus vizinhos e conhecidos do bairro por mensagens, telefone e redes sociais. Quando vão ao mercado ou à farmácia, para algo necessário, aproveitam para procurar mais informações sobre o impacto da crise no dia a dia dos moradores e das moradoras.
As entrevistas estão sendo feitas por telefone, em sua maioria. Quando há necessidade de sair e fazer algo externamente, seguimos as recomendações de prevenção como uso de máscara, álcool em gel e distanciamento.
Dentro do nosso planejamento, passamos a divulgar mais nas redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter e Linkedin), e ainda no Whatsapp. Para quem tem interesse em receber o conteúdo da Agência em primeira mão é só mandar um “oi“ para (11) 9 7591 5260.
Estamos com uma maior preocupação em incluir serviços nas reportagens de forma a contribuir com informações que impactam e contribuam diretamente com os moradores das periferias para que possam se cuidar e se prevenir da melhor maneira possível.
O diretor de Jornalismo da Agência Mural, Vagner de Alencar, escreveu um texto sobre o assunto: As periferias não podem se tornar a isca fácil pela audiência de uma tragédia anunciada
APJor – Em relação às fontes, quais são as dificuldades de um veículo alternativo obter informações sobre a pandemia e como elas são superadas?
AM – Nossa principal fonte são os moradores das periferias da Grande São Paulo. A Agência Mural surgiu em 2010 fazendo sua cobertura por meio de uma rede de correspondentes que nasceram e/ou residem nos bairros sobre os quais escrevem e esse contato com os moradores é constante no cotidiano de todos e todas na Mural.
Essa estrutura – que trabalha à distância desde seu início – segue até hoje. Nosso maior meio de comunicação e de troca sempre foi o online, a partir de conversas e reuniões diárias, por e-mail e pelas redes sociais.
Atualmente nossa rede conta com cerca de 80 correspondentes espalhados nas periferias da capital e em algumas cidades da Grande São Paulo. Temos uma equipa de 10 pessoas e uma rede de cerca de 70 “correspondentes locais” que se concentram na desigualdade dos impactos socioeconômicos e de saúde dos moradores da região coberta.
Desde meados de março, nos dedicamos o tempo inteiro à cobertura da Covid19. Toda a equipe fixa está trabalhando de casa. As reuniões, que antes eram presenciais, fazemos por meio de ferramentas de videoconferência.
Nosso fotógrafo sai uma vez por semana, no máximo. Sempre seguindo todos os cuidados e recomendações. E o contato com todos os correspondentes é diário.
Com a pandemia fizemos uma mudança na cobertura e nos voltamos para cobrir exclusivamente os impactos da Covid19 – impactos sociais, econômicos e sanitários. Mas agora temos mais cuidados e o grande desafio é que todos estejam em segurança e consigam trabalhar a partir de casa.
Fizemos também uma “coligação de colaboração” com outras 79 organizações de 14 cidades do Brasil, para tentar fazer chegar a informação mais cedo e mais acessível às zonas mais desfavorecidas do país, por meio da hashtag #CoronaNasPeriferias.**
APJor – Os veículos alternativos recebem informações por parte dos órgãos públicos e suas assessorias?
AM – Sim, diariamente recebemos releases de assessorias de imprensa de instituições privadas e órgãos públicos, porém a maior parte do conteúdo enviado não se encaixa em nossa linha editorial. Utilizamos dados oficiais, mapeamentos de desigualdade da cidade, LAI – Lei de Acesso à informação, mas a nossa principal fonte são os moradores das periferias da Grande São Paulo.
Além disso, recebemos constantemente convites para participação em eventos para falar sobre a Agência Mural e a cobertura nas periferias na Grande São Paulo. E também solicitação de estudantes de jornalismo para trabalhos de conclusão de curso e palestras em universidades.
APJor – Como o seu veículo mede a percepção e recepção por parte do público sobre a informação sobre a pandemia?
AM – Nós acompanhamos a audiência no site, que cresce a cada dia. Ainda de forma mais intensa neste período de pandemia. Além do site, temos a audiência das redes sociais e dos canais das parcerias como o 32xSP, o Blog Mural, o Guia Folha e as reportagens. E recebemos retornos dos leitores por email e pelas redes sociais, comentando sobre as notícias que viram ou ouviram, produzidas por nós.
APJor – Como tem sido a reação do público do seu veículo à informação sobre a pandemia. Ele consegue perceber um diferencial em relação à grande imprensa?
AM – O Whatsapp é algo que começamos a testar no ano passado, mas a partir de março deste ano passamos a divulgar mais nossos conteúdos por esse canal.
Desde a instalação da crise do coronavírus no Brasil, as periferias de São Paulo estão sendo bombardeadas com “fake news” sobre a situação real e a gravidade da Covid-19.
Mensagens que minimizam a necessidade de ficar em casa, sobre a situação real dos serviços públicos de saúde e a confusão de orientação provocada pelos governos estão desorientando as pessoas sobre como melhor agir. E sabemos que os principais canais deste imenso volume de desinformação circula nas redes sociais e telefones (Whatsapp) desses moradores.
Criamos neste período de cobertura sobre a Covid-19 nas periferias o podcast “Em Quarentena” pensando em sua divulgação principalmente pelo alcance desse canal (Whatsapp), mas também porque sabemos que é por ali que a maioria da circulação de notícias falsas acontece.
O podcast mostra a cobertura do ponto de vista das nossas comunidades, combatendo toda a desinformação, mas também surge para divulgar soluções e/ou informação de serviço para que as populações das periferias possam se proteger melhor e para melhor lidarem com o impacto da crise socioeconômica e de saúde.
Assim, esperamos combater a desinformação, reduzindo simultaneamente o impacto trágico da Covid19 nas zonas mais desfavorecidas da metrópole paulista (as “periferias”). Um exemplo é o texto contando como criamos um podcast para combater desinformação no WhatsApp.
APJor – O que você acha que entidades de jornalistas poderiam fazer para ajudar veículos alternativos na cobertura de eventos como a pandemia?
AM – Aqui a relação é ao contrário. Acredito que somos nós que podemos contribuir com as notícias e as histórias que contamos. Assim, replicar o nosso conteúdo, com os devidos créditos, já pode ser um bom caminho. Inclusive, temos um serviço que alerta os jornalistas sobre as novas histórias. Basta se cadastrar em https://www.agenciamural.org.br/alerta/
Também temos diversas parcerias, onde produzimos conteúdo em conjunto com outros veículos ou outras organizações, como Folha de S. Paulo, Rede Nossa S. Paulo, Global Voices, entre outros. Tudo que produzimos tem custos e essas parcerias fazem parte do nosso modelo de negócio para a sustentabilidade da produção de conteúdos e projetos.
E para aqueles que quiserem contribuir com o jornalismo feito pela e para as periferias na Grande São Paulo, temos um espaço para financiamento recorrente no Catarse (www.catarse.me/periferias).
E em maio lançamos também a campanha “Apoie a Agência Mural de Jornalismo” por meio de financiamento coletivo na plataforma Benfeitoria. A cada R$ 10 arrecadados pela Mural, o Fundo Enfrente os transforma em R$ 30. A campanha vai até 13 de junho.
* Antonio Graça é jornalista, associado e colaborador da APJor
Fotos: Agência Mural
**O link, por inteiro: https://www.agenciamural.org.br/comunicadores-das-periferias-do-brasil-lancam-articulacao-para-divulgar-informacoes-sobre-coronavirus/