Por Antonio Graça*
A publicação pelo site Intercept Brasil da troca de mensagens entre Sérgio Moro, quando era o juiz responsável pelos processos no âmbito da Lava Jato, e procuradores da força-tarefa, além de revelar conduta ilegal de membros do Judiciário, está fazendo a imprensa brasileira refletir sobre um erro que vem cometendo com frequência: o excesso de dependência e de confiança nas informações das autoridades.
Embora os manuais de jornalismo ensinem que o ceticismo deve ser uma característica do jornalista, que deve sempre checar as informações recebidas, na prática o princípio nem sempre é observado. A Lava Jato foi exemplar nesse sentido. A narrativa das autoridades foi reproduzida, principalmente pela imprensa comercial, como expressão incontestável da verdade, revelando demasiada confiança nas declarações e documentos fornecidos por elas.
Dependência
“Na cobertura da Lava Jato, a imprensa foi se tornando cada vez mais dependente das informações das autoridades do Judiciário, às vezes reproduzindo acriticamente a narrativa que o Ministério Público gostaria que prevalecesse”, afirmou André Shalders, repórter da BBC Brasil. “O fenômeno não é novo, não é exclusivamente brasileiro, nem nasceu com a Lava Jato. Mas não é uma coisa positiva para o jornalismo.”
Shalders foi um dos participantes do painel “Vaza Jato”, que teve também a participação de Leandro Demori, editor executivo do Intercept Brasil, e foi mediado por Fernando Rodrigues, diretor do Poder360, realizado na sexta-feira (28/junho), no 14º Congresso da Abraji.
Demori, por sua vez, afirmou que a imprensa foi levada pela Lava Jato, que tinha e liberava muita informação: “Inicialmente não havia muita saída para a imprensa, porque era semana após semana um tsunami de informação, uma operação nova, um preso, uma decisão polêmica. E estávamos também sob a pressão da velocidade com que a informação circula hoje”.
Mas ponderou que, com o passar do tempo, era necessário parar e refletir sobre como a cobertura da Lava Jato estava sendo feita: “Estavam falando apenas as autoridades, era só versão oficial e a gente comendo o tempo todo na mão deles, ninguém colocava nada em dúvida”.
Oportunidade
Segundo Demori, agora a imprensa tem a oportunidade de fazer uma reavaliação, para que, no futuro, quando se cobrir esse tipo de operação, não se repita o erro. “Temos que ser céticos, desconfiar de todos, inclusive de juízes e procuradores, porque eles não falam sempre a verdade”, acrescentou.
O editor executivo do Intercept Brasil contou que o site examinou as mensagens obtidas durante quatro semanas antes de sua publicação, tendo em vista o alto impacto que a denúncia teria e teve. Segundo ele, tudo foi verificado minuciosamente antes de ser divulgado e foram também tomadas medidas especiais com a segurança do material e a segurança física e digital dos jornalistas envolvidos na reportagem.
“A partir do exame do material, obtivemos fortes indícios de que há pessoas presas ilegalmente, daí o teor explosivo da denúncia”, afirmou.
Controle da narrativa
De acordo com Demori, agora a mesma Lava Jato que acusa o Intercept Brasil de estar divulgando a matéria a conta-gotas, fez exatamente isso quando se beneficiava da atuação das autoridades. “Na verdade, o que eles querem é ter o controle da narrativa”, explicou.
Disse também que o Intercept Brasil é acusado pelas autoridades envolvidas nas denúncias de ser pouco transparente e trabalhar com material obtido e manipulado por crackers. Demori pondera, no entanto, que o site está sendo tão transparente que está dando acesso ao material obtido para jornalistas de outros veículos, como é o caso do jornal Folha de S. Paulo, com o qual agora está trabalhando em parceria.
Sobre as dúvidas colocadas pelos denunciados acerca da veracidade das mensagens obtidas, Demori lembra que os jornalistas do Intercept Brasil poderiam destruir suas vidas se tivessem embarcado em material falso para denúncias de tamanha gravidade.
*Antonio Graça é jornalista, associado e colaborador da APJor e cobriu o congresso da Abraji
Publicado originalmente no site da APJor em 1º de julho de 2019
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