Estudo considera alarmante concentração de propriedade da mídia

Por Antônio Graça - “Pressões econômicas e concentração de propriedade podem limitar a capacidade do jornalismo de responsabilizar os que estão no poder”, adverte Emmanuel Colombié, diretor do escritório para a América Latina da RSF. “Com nossa pesquisa, queremos fornecer uma ferramenta para que todos os cidadãos possam entender melhor os interesses, o poder e os desafios que definem o ambiente em que a mídia latino-americana opera”.

Por Antonio Graça*

A concentração de propriedade no campo da mídia é um problema global e existe mesmo em países onde há legislação contra a propriedade cruzada, como os Estados Unidos, ou regiões como a Europa, onde se consolidou um sistema público de televisão, a exemplo da BBC no Reino Unido. Mas na América Latina, e particularmente no Brasil, o nível de concentração de propriedade é alarmante.

Esta é a constatação de pesquisas sobre o tema realizadas em cinco países – Brasil, Argentina, México, Colômbia e Peru – e agora reunidas no portal da América Latina no Media Ownership Monitor (MOM), lançado no início de dezembro pelas organizações Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e Intervozes.

O objetivo é lançar luz sobre os riscos que a concentração da propriedade representa para o pluralismo e a diversidade da mídia. O MOM também avalia qualitativamente as condições do mercado e o ambiente regulatório. Para isso, utiliza uma metodologia de mapeamento que gera uma base de dados acessível ao público e atualizada constantemente sobre os principais proprietários dos meios de comunicação de um país, incluindo mídia impressa, rádio, televisão e online.

Corporações e famílias

Na América Latina, segundo as pesquisas realizadas nos cinco países, os meios de comunicação estão sob controle do setor corporativo e de famílias empresariais que se vinculam às elites econômicas e políticas e usam sua capacidade de influenciar a opinião pública como capital. As pesquisas foram concluídas em períodos diferentes, mas são todas recentes.

Helena Martins, professora da Universidade Federal do Ceará e integrante do Conselho Diretor do Intervozes, observa que “os grupos de mídia influenciam, e muito, nas dinâmicas de poder”: “No momento em que a América Latina vivencia conflitos e mobilizações intensas, é importante voltar a analisar o papel de grupos que historicamente exercem o poder fundamental de agendar as discussões, transmitir informações para a população e fiscalizar o poder público. Tudo isso com pouco ou nenhum espaço para a pluralidade e diversidade de ideias e opiniões”.

No caso do Brasil, a pesquisa foi concluída em 2017 e revela que os 50 veículos de maior audiência pertencem a 26 grupos de comunicação. Apesar de toda a diversidade regional existente e das dimensões continentais de seu território, os quatro principais grupos de mídia concentram uma audiência nacional exorbitante em cada segmento analisado, ultrapassando 70% no caso da televisão aberta, meio de comunicação mais consumido no país.

Os cinco maiores grupos

Para se ter uma ideia do nível de concentração e propriedade na mídia no Brasil, basta ver seguintes números: dos 50 meios de comunicação analisados, nove pertencem ao Grupo Globo, cinco ao Grupo Bandeirantes, cinco à família Macedo (considerando o Grupo Record e a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD, ambos do mesmo proprietário), quatro ao grupo de escala regional RBS e três ao Grupo Folha.

Na Argentina, os 52 principais grupos de comunicação estão nas mãos de 22 empresas, que determinam o que a grande maioria dos argentinos assiste, lê e ouve. Os quatro maiores conglomerados concentram quase metade do público nacional em todas as mídias e 25% de todo esse público está nas mãos do Grupo Clarín, que detém a propriedade de 12 dos 52 veículos pesquisados.

Na Colômbia, os três grupos de mídia com maior concentração de audiência são a Organização Ardila Lull, o Grupo Santo Domingo e a Organização Luiz Carlos Sarmiento Angulo. Juntos, esses grupos concentram 57% do conteúdo total que a sociedade pode acessar por rádio, TV, internet e mídia impressa.

El Comércio é o maior no Peru

De acordo com a pesquisa, o Peru também apresenta um alto nível de concentração da propriedade dos meios de comunicação. Das 40 mídias analisadas, 16 pertencem ao Grupo El Comercio que, além de concentrar 70% da publicidade anual, detém 80% da circulação estimada de jornais impressos. Sua presença na internet também é dominante: 68% do total da audiência estimada para notícia online no país está nas mãos do grupo.

No México, uma análise de 42 meios com grande audiência (oito de televisão, 11 de rádio, três online e dez de imprensa escrita) mostra que eles estão concentrados em 11 grupos empresariais, que controlam a difusão de notícias que chegam à maior parte o público mexicano. Segundo a pesquisa, a indústria da mídia naquele país está controlada por alguns dos empresários mais ricos do mundo.

Mídia rica e jornalistas na insegurança

Enquanto o setor de mídia cresce três vezes mais rápido que o conjunto da economia mexicana, a alarmante concentração da propriedade da mídia está de mãos dadas com a notória insegurança em que vivem os jornalistas no México, devido aos salários precários, o que aumenta a vulnerabilidade e as pressões de todo tipo.

“Pressões econômicas e concentração de propriedade podem limitar a capacidade do jornalismo de responsabilizar os que estão no poder”, adverte Emmanuel Colombié, diretor do escritório para a América Latina da RSF. “Com nossa pesquisa, queremos fornecer uma ferramenta para que todos os cidadãos possam entender melhor os interesses, o poder e os desafios que definem o ambiente em que a mídia latino-americana opera”.

Acesse a íntegra dos relatórios da pesquisa ETA no link https://latin-america.mom-rsf.org/en/.

*Antonio Graça é jornalista, associado e colaborador da APJor

Publicado originalmente no site da APJor em 24 de dezembro de 2019
1.205 acessos até 6/5/2020

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A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.