Por Antonio Graça*
A vida do jornalista e empresário Cásper Líbero foi marcada pela aventura, pela ousadia e pelo pioneirismo. Foi também uma trajetória de sucesso, especialmente a partir dos 29 anos de idade, quando, em 1918, sem um tostão no bolso, ele comprou A Gazeta, jornal em estado pré-falimentar em que trabalhava como repórter. Com seu dinamismo, transformou-o em um dos mais importantes jornais do País.
Mas esta trajetória brilhante foi interrompida muito cedo. Cásper morreu aos 54 anos, em 27 de agosto de 1943, quando o avião em que voava de São Paulo para o Rio caiu no mar.
A biografia deste personagem, que também foi o mentor da primeira faculdade de jornalismo do País, está na primorosa edição, amplamente ilustrada com fotos e reproduções de páginas de jornais da época do livro Cásper Líbero – Jornalista que fez escola, de Dácio Nitrini, recentemente lançado pela editora Terceiro Nome.
Cásper nasceu em 2 de março de 1889, em Bragança Paulista. Era filho de Honório Líbero e Zerbina Líbero. Ao contrário do pai e dos irmãos mais velhos, Nelson e José, que eram médicos, optou pelo Direito. Advogou um tempo, mas o Direito não fazia sua cabeça. A compra de A Gazeta foi um dos primeiros passos para a realização da sua verdadeira vocação de jornalista e empresário.
Carisma e amizades influentes
Para conseguir o dinheiro e fechar o negócio, procurou o irmão do meio, José Líbero, que providenciou parte dos recursos. Usando de seu carisma e poder de sedução, ele conseguiu o restante com amigos influentes, como Júlio Prestes, que viria a ser governador paulista (1927-1930) e presidente da República eleito em 1930, mas que não chegou a tomar posse.
De fato, como testemunharam amigos e colaboradores de Cásper, além de visão para empreender e persistência para atingir seus objetivos, tinha o atributo de uma irresistível simpatia para conquistar os que estavam à sua volta.
É Nitrini quem conta: “Cásper aguentou dois anos a situação precária do prédio modesto que refletia a imagem do jornal quebrado financeiramente. Ainda sem dinheiro, em 1920, mas já com a venda dos exemplares em ascensão, ele recorre ao dono do imóvel, o próprio Maurice Levy, que não resiste à famosa conversa simpática do inquilino e aceita a proposta de acrescentar um terceiro andar ao edifício”. Foi quando Miguel de Arco e Flexa, colaborador de Cásper, brincou: “Nesse andar, A Gazeta vai longe”.
Trocadilho
Era um trocadilho, mas também um vaticínio que se mostrou acertado. A Gazeta saiu do vermelho e se tornou um sucesso de vendas. Principalmente devido ao faro para as oportunidades de negócios de seu proprietário. Já naquela época, ele fazia jogadas brilhantes no campo do que hoje chamamos de marketing.
Um dos seus mais notáveis lances foi criar, ainda em 1918, uma seção diária com o titulo A Gazeta Esportiva, embrião do jornal que seria líder no segmento.
Ele promoveu também a primeira transmissão de uma partida de futebol do Rio para São Paulo, durante o Campeonato Sul Americano, realizado em outubro de 1922. Um jornalista telefonou do Estádio das Laranjeiras, no Rio, narrando os lances da partida Brasil x Paraguai, vencida pelo time brasileiro por 3×0, que foi transmitida por meio de alto-falantes para uma multidão nas proximidades do prédio em que ficava o jornal.
O trânsito na avenida São João foi interrompido e, conforme registra Nitrini, a transmissão provocou um delírio em São Paulo. Naquele dia, A Gazeta chegou a vender 200 mil exemplares em São Paulo, Campinas, Santos e cidades próximas.
Cásper lançou também em abril de 1929, a “Página Feminina”, publicada aos sábados, algo inédito no jornalismo diário da época. Para as crianças, lançou, em 12 setembro de 1929, em mais um exemplo de pioneirismo, a Gazeta Infantil, impressa em cores e no formato tabloide, logo chamada de Gazetinha pelo público infantil.
O sucesso foi tão grande que, em 1939, ela passou a circular três vezes por semana. Foi na Gazetinha que a história em quadrinhos Super-Homem estreou no Brasil, entre outras novidades trazidas pela publicação.
São Silvestre
Em outra grande jogada de marketing, Cásper idealizou e lançou a corrida São Silvestre, inspirado num evento semelhante que vira em Paris em 1925. E ainda na noite do réveillon daquele mesmo ano deu a largada para a primeira corrida que se tornaria um ícone esportivo e urbanístico da cidade de São Paulo.
Segundo conta Nitrini, o evento arrebatou o Brasil a partir de 1948 com a aquisição de dois carros de reportagem equipados com radiotransmissor que possibilitaram narrações ao vivo de todo o percurso. Com o tempo, a São Silvestre ganhou fama internacional.
Cásper também teve uma intensa e agitada vida política, marcada por prisão, exílio e empastelamento do seu jornal. Mas foi também uma trajetória controversa, objeto de polêmicas e acusações por parte de seus adversários e concorrentes, segundo os quais ele se orientava na política mais por interesses comerciais do que por princípios e convicções ideológicas. Sobre esta vertente da trajetória de Cásper e o cenário político de sua época, Nitrini dedica vários capítulos do livro.
Fundação Cásper Líbero
Em 1º de setembro de 1943, cinco dias depois da trágica morte de Cásper, seu testamento foi aberto. Nele, o jornalista e empresário dispunha, ente outros itens, sobre a destinação de grande parte de seus bens para uma fundação que seria responsável pela criação de uma escola de jornalismo.
Para a francesa Marguerite Augustine Leboucher, conhecida como Maggy, com quem viveu por 18 anos, e a quem se referia no documento como “minha fiel e dedicada companheira dos bons e maus momentos”, deixava a mansão em que moravam na rua Estados Unidos, no Jardim América, com tudo que estava na residência, incluindo obras de arte.
O livro traz também um brilhante prefácio do jornalista José Hamilton Ribeiro, que, na década de 1950, cursou a Faculdade Cásper Líbero. Zé Hamilton acrescenta informações de quem é parte da história contada por Dácio, ao lembrar que sempre sentiu falta de uma biografia bem cuidada do jornalista e empresário. “Era o livro que faltava”, disse ele. “Agora não falta mais.”
É isso mesmo. A biografia de Cásper Líbero era uma pauta, ou uma bola, que estava quicando na área há algum tempo. Nitrini viu o lance e fez um gol de placa.
Serviço:
Título: Cásper Líbero – Jornalista que fez escola
Autor: Dácio Nitrini
Editora: Terceiro Nome
Volume: 207 páginas
Preço: R$ 46
*Antonio Graça é jornalista, associado e colaborador da APJor
Publicado originalmente no site da APJor em 16 março de 2020.
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