Por Antonio Graça
A combinação de um tema complexo e instigante com uma reportagem investigativa de alta voltagem – e uma ampla pesquisa sociológica – fazem do livro A República das Milícias, do jornalista Bruno Paes Manso, um dos mais importantes lançamentos editoriais deste ano. Dos esquadrões da morte, surgidos ainda na década de 1960, à era Bolsonaro e ao assassinato da vereadora Marielle Franco, o autor reproduz a cena criminal onde atuam policiais e políticos corruptos, matadores, justiceiros, traficantes, bicheiros e torturadores.
É um retrato por inteiro e das raízes de grande parte da criminalidade que devasta o país. O livro é escrito a partir de depoimentos dos protagonistas, como ex-milicianos, de conflitos altamente armados entre grupos que atuam nesta verdadeira guerra urbana. As entrevistas com as fontes impressionam pela franqueza e riqueza de detalhes, em que assassinatos se sucedem e as ligações entre policiais, o tráfico, o jogo do bicho e o poder público – criminosamente presente ou ausente – são revelados.com toda a atrocidade que os caracteriza.
Nesse sentido, um trecho livro é particularmente impressionante: “A existência de falas e crenças que justificam a ação dos homicídios se repete em realidade com taxas elevadas de violência, permitindo aos assassinos e homens violentos agir e depois explicar suas razões sem constrangimento. Essas justificativas: que se reproduzem como um padrão nas dezenas e dezenas de entrevistas que venho fazendo com matadores durante anos, sempre me impressionaram. Eles falam como se as vítimas fossem culpadas da própria morte; como se eles, os matadores, estivessem apenas agindo conforme as regras da coletividade local”.
O livro aborda ainda a conexão da família Bolsonaro com as milícias. Segundo o autor, Bolsonaro, visto como um político contrário à corrupção, defendia abertamente uma guerra violenta contra o crime, mesmo que ela produzisse homicídios. “Ele queria o armamento da população e tinha ligações diretas com integrantes de grupos milicianos do estado. Como e por que chegamos a esta situação?. Por que roubo e corrupção chocavam mais o leitor do que a violência?”, pergunta Manso.
A gênese, a dinâmica e os modelos de negócios das milícias são descritos com precisão no livro, que se mostram mais sustentáveis e geradoras de riqueza do que o tráfico. Foi numa reportagem da jornalista Vera Araújo, publicada no jornal O Globo, em 2005, que a expressão milícia foi usada pela primeira vez para definir esses grupos paramilitares que atuam na base da violência nas comunidades, cobrando mensalidade dos moradores e comerciantes em troca segurança, vendendo bujões de gás e assinaturas clandestinas de televisão, o chamado “gatonet”, entre outros “serviços”. Segundo o relato da repórter, eram grupos que baniam os pontos de drogas, afastavam os traficantes e executavam os ladrões para atrair o respeito e a obediência da população local.
Tudo isso e muito mais Manso aborda neste livro indispensável para se compreender uma grande parte deste país, constituída por grandes comunidades urbanas. Um livro que, segundo o próprio autor, procura desenrolar o fio dessa história, sem a intenção de buscar culpados, mas para ajudar a compreender a lógica por trás das escolhas feitas e dos caminhos seguidos por seus protagonistas.
“A raiva e o ressentimento que inundaram as ruas levaram representantes desses sentimentos autodestrutivos à liderança do país. Entender essa trajetória, para evitar que esses erros se repitam, é uma das poucas saídas que restam aos brasileiros”, afirma Manso.
Ficha
A República das Milícias
Autor: Bruno Paes Manso
Editora: Todavia
Páginas: 304
Preço: R$ 64,90