A máquina do ódio

Livro desvenda a cultura do ódio na era digital

A autora, Patrícia Compos Mello, repórter da Folha, dá uma contribuição decisiva para desvendar as motivações, os objetivos e a maneira como operam os disseminadores de desinformação e promotores de violência digital em todo o mundo. Veja na resenha de Antonio Graça, para a APJor

Por Antonio Graça

O mundo sombrio das fake news e da violência digital engendrado por aqueles cuja estratégia política é a disseminação do ódio é um fenômeno mais ou menos recente e ainda pouco estudado. Por isso mesmo, o livro A Máquina do Ódio, da jornalista Patrícia Campos Mello, que tem o seu lançamento físico nesta quinta-feira (30/07) pela Companhia das Letras, é leitura obrigatória, especialmente para jornalistas.

A partir de sua atuação como repórter e com base na própria experiência de vítima de ataques, Patrícia dá uma contribuição decisiva para desvendar as motivações, os objetivos e a maneira como operam os disseminadores de desinformação e promotores de violência digital.em todo o mundo.

A autora aborda como as redes sociais vêm sendo manipuladas por líderes populistas e as campanhas de difamação agora repercutidas por robôs no Ttwitter, no Facebook, no Instagram e no WhasApp, que investem preferencialmente contra jornalistas mulheres.

Foi o caso da própria Patrícia que passou a ser difamada e ameaçada, depois de iniciar a publicação – dois dias antes do segundo turno das eleições de 2018 – uma série de reportagens sobre o financiamento de disparos em massa, na maior parte das vezes em benefício do então candidato Jair Bolsonaro.

Corroendo a democracia por dentro

Os bastidores dessas reportagens são a moldura para dar um quadro mais amplo sobre a liberdade de imprensa no Brasil e no mundo. Segundo a autora, na versão moderna do autoritarismo, em que governantes não rasgam a Constituição, mas corroem as instituições por dentro, basta inundar as redes sociais e os grupo de WhasApp com a versão dos fatos que se quer emplacar para que ela se torne verdade e abafe as outras narrativas, inclusive e sobretudo as reais.

Nesse contexto de desinformação, difamação e ameaças, a situação das jornalistas é particularmente preocupante. Um estudo .da International Women´s Media Foundation mostra que cerca de 63% das jornalistas já foram ameaçadas ou assediadas.online, 58% foram ameaçadas pessoalmente e 26% foram atacadas fisicamente. Entre essas profissionais, 40% afirmaram que passaram a evitar certas matérias devido ao assédio e às ameaças.

“O ambiente online foi transformado em arma e usa a velocidade e suas redes para montar ataques sofisticados que amplificam misoginia, sexismo, racismo, homofobia e outros discursos de ódio”, diz o relatório.

Ataques misóginos

No caso das mulheres, os ataques ganham contornos nitidamente misóginos. Em geral, os comentários fazem referência ao corpo ou à aparência das jornalistas, miram relações familiares ou pessoais e questionam seu rigor intelectual e suas credenciais profissionais.

Os governos autoritários e movidos pelo ódio também elegem como inimigo preferencial a imprensa independente, crítica e profissional. Segundo Patrícia, o presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, segue à risca o manual húngaro “Como acabar com a imprensa independente em dez lições”, obra de seu colega populista de direita, o primeiro-ministro Viktor Orban.

“Na Hungria, a mídia crítica foi dizimada. Tal como Bolsonaro, Orbán se queixava de que a mídia tradicional era injusta ao atacá-lo e tachava a imprensa independente de fake news. Ele então resolveu o problema. Empresários ligados ao governo compraram a maior parte dos veículos de mídia independente, que hoje se dedicam a propagar as ideias caras a Orbán.

Ataques como estes são tanto mais perigosos porque acontecem num momento de fragilidade da mídia profissional e independente, quando a parte substancial da receita publicitária vem sendo aspirada pelo duopólio Google e Facebook. Nos Estados Unidos, por exemplo, entre 2013 e 2018, a receita publicitária dos jornais caiu de 23, 6 bilhões de dólares para 14,3 bilhões de dólares.

Em 2018, o Google, sozinho, teve 116 bilhões de dólares de faturamento. “Os jornais converteram-se em anões na terra dos gigantes da Internet”, na citação do sociólogo Demétrio Magnoli.

Todo este leque de temas é contemplado no livro de Patrícia, que combina depoimento pessoal com rigor de apuração e profundidade nas análises, num texto ágil e envolvente.

Serviço
A Máquina do Ódio
Patrícia Campos Mello
Companhias das Letras
290 páginas
R$ 39,90

APJor

APJor

A Associação Profissão Jornalista (APJor) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2016 por um grupo de 40 jornalistas, com o objetivo de defender o jornalismo ético e plural e valorizar o papel do jornalista profissional na sociedade brasileira.